Ódio entre mulheres: mito, estratégia masculina ou realidade?

A maioria dos homens, mesmo aqueles que se julgam feministas ou esclarecidos, adora repetir que as mulheres se odeiam, que são falsas umas com as outras, que têm inveja e ciúme das amigas e mais um monte de chavões machistas.  O pior é que muitas mulheres também embarcam nessa bobagem. Obviamente, não gostamos ou desgostamos de alguém somente por causa do gênero ao qual a pessoa pertence. No fundo acredito, e isso é uma opinião muito pessoal, que na cabeça dos homens a nossa única missão seria conquistá-los, portanto, nessa perspectiva, toda mulher veria a outra como potencial rival. Somos incapazes de sermos solidárias umas com as outras? Vamos à História.

Ficaram famosas as crueldades perpetradas pelas senhoras contra as escravas no passado, muitas vezes, provocadas pelo ciúme. Escravas jovens, belas, ou que atraíam a cobiça dos senhores, podiam sofrer torturas terríveis: açoitamentos, queimaduras, amputação de dedos e outros ferimentos graves. Nas classes populares, o ciúme também levava muitas mulheres a violências terríveis. Não era incomum que amantes e esposas enfurecidas atacassem, e até matassem, suas rivais.

Em uma sociedade patriarcal, em que a mulher dependia da proteção do homem, não é de se estranhar que as casadas ou com relacionamento sério temessem ser trocadas por outras. Inferiorizadas, oprimidas e degradadas, as mulheres nem sempre se conformavam com o papel de vítimas e faziam uso da violência para defender a sua posição. A misoginia das leis e dos costumes, e a violência que permeava essa sociedade tinham impacto sobre elas. O mundo feminino, contudo, não era feito apenas de hostilidades…

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A solidariedade feminina era muito presente naqueles tempos. As mulheres se ajudavam e se uniam, muitas vezes, para livrar as amigas e parentes de companheiros indesejáveis. Durante as visitações do Santo Ofício, conta-nos Ronaldo Vainfas, em “Trópico dos Pecados”, muitas confirmavam denúncias aos inquisidores para salvar outras de situações difíceis. Vejamos um exemplo: “Méscia Barbosa denunciou como bígamos os ex-maridos de duas amigas, objetivando livrá-las de idêntica acusação, já que ambas, fartas de esperar por maridos fujões, estavam casadas pela segunda vez”.

Segundo o autor, as mulheres acabaram por construir uma sociabilidade e uma linguagem próprias, criando laços de solidariedade e amizade, em um mundo dominado pelos homens. “Brancas e mamelucas, moças de família ou filhas de artesãos, senhoras ou escravas, todas pareciam unir-se em diversas situações, partilhando experiências, trocando conselhos, descobrindo segredos, e quase sempre arquitetando maneiras para melhor se relacionarem com os homens”, conta.

O universo das práticas mágicas era dominado pelas mulheres – apesar de haver feiticeiros e magos do sexo masculino. Na época, acreditava-se que a mulher era mais propensa aos tratos com demônio. As europeias trouxeram para a Colônia a magia erótica portuguesa, que se misturaria com práticas indígenas e africanas. Filtros do amor, poções, beberagens, “cartas de tocar”, todos expedientes eram usados para conquistar a pessoa amada ou para vinganças contra algum mal feito.  As mulheres dominavam também as ervas medicinais, ajudavam na cura de doenças com sua sabedoria popular – o que era mal visto pela Igreja. Umas ajudavam as outras, e compartilhavam sabedoria, no campo amoroso e no combate às enfermidades e males femininos.

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É claro que não podemos atribuir às mulheres da Colônia nenhum tipo de “consciência grupal”, como diz Vainfas. Muitas vezes, o que as unia era o desejo e a necessidade de serem amadas e protegidas pelos homens. “A solidariedade tinha, pois, muitos limites. Rebeldes e apaixonadas, não resistiam às pressões misóginas que, de um modo ou de outro, triunfariam em toda a parte”, conclui.

E hoje? Conseguimos virar o jogo?

– Márcia Pinna Raspanti.

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Senhora em casa brasileira, de Debret.

3 Comentários

  1. Laura

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