Marcha das Mulheres Negras: vamos mudar a História?

Os colonizadores portugueses tinham em mente um modelo de sociedade a ser implantada nas terras da América: patriarcal, baseada na posse da terra, na religião católica, no conceito de cor e de pureza de sangue. Transplantava-se assim, um ideal de sociedade europeia, que obviamente passou por uma série de adaptações para se consolidar no Brasil. Ser mulher, em uma sociedade patriarcal, era ser inferior. A mulher tinha como função servir o homem: as brancas como parideiras e donas de casa; as negras para trabalhar e para os apetites sexuais. “Branca para casar, negra para trabalhar, mulata para f…”, era o ditado da época.

Temperadas por violência real ou simbólica, as relações eram vincadas por maus-tratos de todo tipo, como se veem nos processos de divórcio, nos conta Mary del Priore. “Acrescente-se à rudeza atribuída aos homens o tradicional racismo, que campeou por toda parte: estudos comprovam que os gestos mais diretos e a linguagem mais chula eram reservados a negras escravas e forras ou mulatas; às brancas se direcionavam galanteios e palavras amorosas. Os convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podia ir direto ao assunto sem causar melindres”.

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Hoje, passados mais de 120 anos da abolição da escravidão ainda pagamos um preço alto pelo nosso passado. Somos racistas, mas negamos veementemente (conheço poucos brasileiros que admitem abertamente o racismo). Queremos crer que vivemos na tal “democracia racial”. Mas a realidade é bem diferente. Misoginia e racismo fazem uma combinação perigosa.

O Brasil ocupa a incomoda quinta posição em ranking global de homicídios de mulheres, entre 83 países elencados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2013, a taxa de mortes por assassinato de mulheres para cada 100 mil habitantes foi de 4,8 casos. A média mundial foi de dois casos. Foram 4.762 mulheres mortas violentamente no País naquele ano: 13 vítimas fatais por dia. O quadro foi ainda mais alarmante em relação às mulheres negras. A década 2003-2013 teve aumento de 54,2% no total de assassinatos desse grupo étnico, saltando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Aproximadamente mil mortes a mais em 10 anos. Em contraposição, houve recuo de 9,8% nos crimes envolvendo mulheres brancas, que caiu de 1.747 para 1.576 entre os anos.

Nesse contexto, é de inegável importância o protesto pacífico, com o objetivo alertar sobre o preconceito e violência no Brasil, que reuniu de dez a 15 mil pessoas, em frente ao Congresso Nacional nesta quarta-feira, em Brasília.

Está na hora de mudar esse quadro… – Texto de Márcia Pinna Raspanti.

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antonioferrigno

marcha

Acima: “Preta quitandeira”, de Antônio Ferrigno (1900); abaixo a marchas das mulheres negras, hoje.

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  1. Lúcia de Barral

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