O mercado da vaidade

A abertura dos nossos portos para as nações amigas, em 1808, não foi vantajosa apenas para a aristocracia, que teve oportunidade de adquirir produtos de luxo e ostentar com mais vigor seu status privilegiado. Os escravos e a população “de cor” em geral, incluindo cativos forros e mestiços pobres, que ficavam à margem da sociedade, também foram beneficiados.

            Voltemos um pouquinho aos séculos anteriores. Além de servir melhor à casa, os escravos que sabiam exercer algum ofício eram mais valorizados na hora da venda, portanto, os senhores estimulavam os cativos a aprender alguma profissão. Os escravos “de ganho”, por sua vez, também podiam lucrar com suas habilidades, mesmo tendo que repartir seus lucros com os donos. No século XVIII, o preços dos negros alcançou as alturas, devido à descoberta das Minas que absorveu muita mão-de-obra e, posteriormente, por causa das restrições ao tráfico impostas pelos ingleses. Somando-se tudo isso ao gosto dos colonos por roupas luxuosas, formou-se um grupo de escravos e de “gente de cor” que tinha grande familiaridade com roupas e acessórios de moda.

            Cabia aos escravos e escravas cortar e costurar as roupas, bordar, fazer as famosas rendas com seus bilros, consertar as vestimentas já usadas, tecer panos de algodão para roupas de cama e mesa, enfim, cuidar do vestuário em geral. No século XIX, quando começam a pipocar estabelecimentos comerciais para dar conta da “demanda reprimida” da vaidade, causada por séculos de isolamento da Colônia, tais habilidades lhes valeram uma oportunidade de inserção social. Não eram apenas costureiras e alfaiates que tinham lugar garantido neste incipiente mercado de trabalho, mas, também peruqueiros, joalheiros, sapateiros, cabeleireiros, artesãos. Enfim, todos os ofícios ligados à beleza e moda tornam-se um ótimo negócio.

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            No início, negros e mulatos eram empregados ou servos de ingleses e franceses que dominavam estas artes, aprendendo como fazer estes trabalhos delicados e sofisticados. Aproveitando a onda favorável, uma parte dos cativos conseguiu juntar dinheiro, comprar a alforria, estabelecer-se e adquirir propriedades. Mais uma pequena brecha dentro da estrutura escravista e aristocrática dos tempos coloniais, que foi bem aproveitada pelos escravos, libertos e outros excluídos que lutavam contra as regras de uma sociedade tão injusta. – Márcia Pinna Raspanti

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Escravos e libertos trabalhando no mercado da vaidade, de Debret.

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