O casamento do Imperador

         Com a maioridade do Imperador, encerraram-se as divergências políticas que ameaçavam o país. Os políticos, então, resolveram arrumar a vida do jovem recém-saído da adolescência. Enviaram um ministro à Viena, terra dos avós maternos, para lhe arranjar uma noiva. Durante dois anos, o enviado tentou desesperadamente arranjar uma solução. O que detinha Francisco II, tio do jovem? A lembrança de que D. Pedro I maltratou sua irmã, D. Leopoldina? A pouca importância que tinha o império do Brasil nas esferas internacionais? O fato é que o encarregado brasileiro saiu de mãos abanando.

        A solução veio por um intermediário da corte de Nápoles. Lá morava uma princesa disponível: era irmã do rei Fernando I e sobrinha da avó de D. Pedro II, Carlota Joaquina. Foi afastada da corte, pois perdeu o pai cedo e sua mãe, casou-se com um oficial menor. A jovem, chamada Teresa Cristina, cresceu num ambiente feito de tradição, medo e intransigência, emoldurado pelos conventos que davam à Nápoles um aspecto triste. Sua educação foi limitada à cesta de costura, ao piano e o canto. Dizem alguns que “não pensava em nada”. Mas se não pensava, sentia. E sentia muito:

“Meu muito caro primo e futuro esposo. Peço a Vossa Majestade desculpar-me se não respondo em português à vossa gentil carta, mas ainda não estou no estudo dessa língua para escrever corretamente e não quero recorrer a outros, para vos testemunhar, meu caro primo, quanto estou satisfeita pela escolha de minha pessoa para vossa companheira. Recebo com confiança e prazer a certeza de que vós me dais de querer fazer a minha felicidade; esteja certo de que eu também farei tudo o que depender de mim para contribuir para a de Vossa majestade; todo o meu desejo é de lhe agradar e de merecer a afeição de vossos desejos”.

          À cartinha juntou uma miniatura. Nela, uma esplêndida morena mirava o interlocutor. Só que a pintura não correspondia à realidade. Iludido, o imperador anotou em seu diário: “é mui bela e dizem, ponderada e instruída”. Enamorou-se de um retrato. O casamento foi realizado por procuração e a noiva embarcou para o Brasil. No dia 3 de setembro de 1843, ao cair da tarde, a embandeirada fragata Constituição adentrou a baía da Guanabara. O recém-casado não aguentou esperar e partiu rápido, para encontrar a “bela” princesa. Mas recebeu uma ducha gelada. A claudicante criatura emergiu no convés, implodindo os sonhos acalentados durante meses. Aos membros do corpo diplomático presente nada escapou: “teria desaprovado a diferença de idade”, “bastante embaraçoso”, “foi uma triste acolhida”. A jovem se recolheu em lágrimas junto à sua dama: “O imperador não gostou de mim”. De volta ao palácio, D. Pedro chorava no ombro de seu mordomo: “Me enganaram”!

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terezacristina

Não era possível despachar de volta a noiva, nem, tampouco, romper o contrato. Afinal, reis não casavam por impulsos românticos, mas por razões de Estado. D. Pedro II tinha que se conformar. A esposa não era bonita, mas, gentil e boa. Que olhasse as qualidades. Houve ato religioso, banquete, beija mão, arcos de flores e muitas festas populares. Cunhou-se uma medalha: “Terra e céu jamais viram tanta ventura”. O imperador parecia “preocupado e entediado” aos olhos de observadores. Em público, se mostrava gelado com Teresa Cristina. Mal lhe falava no teatro, dando atenção aos camaristas. Muitas vezes, fingia que não a ouvia.  Dizia-se, contudo, que só na intimidade tinha atenções para com ela.

A imperatriz era, segundo a imprensa, uma mulher bonachona, “um anjo de bondade”, dona de uma “mão caridosa”, incapaz de “arrancar um gemido de dor ao coração dos brasileiros”. Passava o tempo a fazer boas ações. Mas se possuía um caráter doce, fisicamente era um desastre. Tinha o nariz dos ancestrais, – em formato de berinjela – olhos miúdos, lábios estreitos, queixo duro. Os cabelos escuros amarrados em bandós sobre a orelha acentuavam as ventas alongadas. Sorria pouco. As pernas excessivamente arqueadas por debaixo das saias davam a impressão de que ela mancava. Chic? Nenhum. Graças? Poucas. Só a voz de contralto que exercitava em pequenos trechos de ópera italiana e a facilidade com que se acompanhava ao piano. Correspondia ao ideal que se tinha na época para uma mulher casada: boa mãe e esposa dócil. No mais, inofensiva. Seu encontro com o primo foi resultado de um casamento arranjado, como tantos que se fazia no século XIX.

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A vida entrou na rotina. De São Cristóvão iam ao centro, assistiam a Te-Deuns  e cerimônias oficiais, frequentavam o teatro e óperas. Quando o marido se ausentava, a esposa lhe cobria de bilhetes apaixonados:

Caro Pedro. Faz já seis horas que me separei de ti e não posso me consolar e a ideia de que não te verei senão amanhã, me aflige. Espero impacientemente tuas notícias, e como fizeste e espero que nada de ruim te tenha acontecido e que a chuva que tomaste não tenha te feito mal. Não achei prudente que tivesses ido a cavalo por caminhos que não são bons com esse tempo…. Peço-te não esquecer uma amiga sincera que pensa sempre em ti. Beijo-te afetuosamente e sou para toda a vida, tua afetuosa esposa Teresa”. No mais das vezes, se despedia com um “adeus meu querido Pedro, aguardo com impaciência o dia de amanhã para te beijar”. Ele respondia com um “afeiçoado e saudoso esposo, Pedro”.

  • Trecho de “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, 2016.

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Casamento por procuração da imperatriz Dona Tereza Cristina, por Alessandro Cicarelli, 1846. Acima: Retrato de Dona Tereza Cristina, por José Correia Lima, 1843.

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