Notas sobre a imprensa homoerótica brasileira

Por Muriel Emídio P. do Amaral

Do reconhecimento social aos signos de prazer. De forma bem resumida foi essa a linha traçada sobre a imprensa homoerótica brasileira, uma linha que foi desenhada acompanhando as ressignificações culturais e as mudanças sociais sobre o entendimento da própria homossexualidade e das diversidades sexuais. O primeiro periódico de maior representatividade que começou a circular foi “O Snob”, entre os anos de 1963 e 1969, sob a batuta de Agildo Guimarães. Mimeografado, com a produção quase artesanal e se restringindo a alguns pontos de sociabilidade de homossexuais da cidade do Rio de Janeiro, a publicação ganhou visibilidade social por apresentar o que estava acontecendo no cenário gay da cidade. Além das fofocas e assuntos mais fugazes, O Snob teve a preocupação de engajamento social, trazendo à tona discussões sobre diversidades sexuais, e temas de cunho cultural como indicação de livros, cinemas e teatros. Mesmo não sofrendo represálias pelo governo ditatorial, o jornal fecha as portas com 100 edições lançadas.

Outras publicações surgiram após o fechamento d’ O Snob, inclusive fora do eixo Rio-São Paulo. Devido à condição econômica não ser muito favorável, muitos deles encerraram as atividades antes do primeiro ano de circulação. Além disso, havia a possibilidade de haver censura por parte do governo militar, o que significaria perseguição política, prisão ou até mesmo morte dos jornalistas. A imprensa homoerótica ganhou fôlego com o surgimento do jornal Lampião da Esquina, em 1978. Nomes como José Silvério Trevisan, Jean-Claude Bernardet, Aguinaldo Silva, Peter Fry, Adão Costa, Antônio Chrysóstomo, Clóvis Marques e João Antônio Mascarenhas encabeçaram a redação do jornal em defesa de homossexuais.

Ver mais  O fascismo no Brasil

A proposta do Lampião da Esquina foi trazer aos homossexuais, e a outras “minorias” sociais, o reconhecimento enquanto cidadãos, oferecendo uma representação que não estivesse atrelada às raias da marginalização, tão pouco de preconceito. Com uma linguagem irreverente e muito bem humorada, o jornal conseguiu se firmar como um veículo de comunicação inteligente e engajado politicamente, frente a várias demandas sociais, destacando-se pela militância e pelas propostas libertárias de pensamento, expressão e sexualidade. Com apenas 37 edições, Lampião da Esquina circulou de modo mais abrangente, podendo ser lido em estados do norte e nordeste brasileiro, mesmo sendo considerado um veículo de imprensa alternativa.

lampião

Fonte: www.dignidade.org.br

Jornal Lampião da Esquina. Ed. 19, dezembro de 1979 – Editora Lampião da Esquina.

Com a invasão de revistas pornográficas que eram produzidas no exterior e impressas no Brasil, Lampião da Esquina perdeu o público e também o fio da meada. Nas últimas edições, ensaios de homens nus passam a estampar as páginas do jornal, tanto que Bernardo Kucinski (1991) considerou que Lampião começou elegante e terminou pornográfico. Em meio à crise financeira e o enfraquecimento da militância, a publicação se apaga em 1971, deixando um hiato na imprensa homoerótica brasileira.

E as publicações homoeróticas se limitavam, muitas vezes, a apresentar imagens de nudez e sexo explícito. Nem a epidemia da Aids, que assombrava o mundo no começo dos anos de 1980, foi suficiente para que ressurgissem veículos de comunicação homoeróticos de modo mais emblemático. Os esclarecimentos e informações sobre a doença ficavam a cargo dos órgãos oficiais do Estado e das publicações produzidas por grupos de militância da causa gay espalhados pelo país.

Ver mais  Esporte e criminalidade: entre touros e cavalos

A circulação das publicações homoeróticas brasileiras só foi retomada nos anos de 1990 com o lançamento da revista Sui Generis, pela editora SG Press. Sem apelo erótico, a revista naufragou. Mesmo com a tentativa de a editora lançar a revista Homens, onde se encontrava ensaios de homens nus, a SG Press não aguentou a competitividade da G Magazine, pertencente à Fractal Editora, que trazia jogadores de futebol, cantores e outras figuras do cenário midiático, nus e excitados.

Já no começo dos anos 2000, entram em cena as revistas Dom e Junior, essa última ainda em circulação. Corpos torneados em músculos, moda, beleza, ginástica e felicidade são os assuntos produzidos e reproduzidos à exaustão na linha editorial dessas publicações. A militância e o teor de resistência perdem forças no final do século XX e começo do XXI no conteúdo da imprensa homoerótica brasileira, seguindo a ditadura contemporânea dos prazeres e de bem-estar.

 Referências bibliográficas:

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionário da Imprensa Brasileira. São Paulo: Escrita Editorial, 1991.

junior

Revista Junior (escaneado do original), Edição 22/outubro de 2010/ Editora Mix Brasil.

 

 

 

Deixe uma resposta