As boas (ou más) maneiras à mesa no passado

Hoje parecem bastante óbvias algumas regras de como devemos nos comportar na hora das refeições. Não arrotar, não limpar mãos e boca na toalha da mesa, não assoar o nariz na toalha ou no guardanapo, não falar com a boca cheia, usar a colher…Todas esses comportamentos já fazem parte do nosso dia a dia. Entretanto, no passado, as coisas eram bem diferentes. Norbert Elias, em “O Processo Civilizatório. Uma História dos Costumes”, reuniu trechos de diversos manuais europeus de boas maneiras, do século XIII ao século XVIII.

Na Idade Média, por exemplo, as pessoas tinham o hábito de escarrar à mesa, o que desencorajado pelas novas regras de boas maneiras. A obra traz também a “evolução” do comportamento no quarto e as mudanças de relacionamento entre os sexos. Na Apresentação, o professor Renato Janine Ribeiro alerta para o fato de que o uso do termo “evolução” por Elias é atualmente um tanto problemático, pois pressupõe um sentido da História.

A obra é, entretanto, interessantíssima e traz um rico material para quem se interessa pelo modo de vida de nossos antepassados. Vejamos alguns exemplos:

SÉCULO XIII: 

O poema de Tannhäuser sobre as maneiras corteses.

Um homem refinado não deve arrotar na colher quando acompanhado. É assim que se comportam pessoas na corte que praticam má conduta.

Não é polido beber no prato, embora alguns que aprovam esse grosseiro hábito insolentemente levantem o prato e o sorvam como se fossem loucos.

Os que caem sobre os pratos como suínos quando comem bufando repugnantemente, e estalando os lábios…

De “Uma palavra àqueles à mesa”:

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Bufar como um salmão, comer voraz e ruidosamente como um texugo e queixar-se enquanto come – eis três coisas inteiramente indecorosas.

Em “Cortesias”, de Bonvicino da Riva:

Não arrotes quando estiveres comendo com uma colher. Isto é um hábito bestial.

Em “The Book of Nurture and School of Good Manners”:

E não sorvas ruidosamente a tua sopa. Em momento algum em toda a tua vida.

O homem que limpa a garganta pigarreando quando come e o que se assoa na toalha da mesa são ambos mal-educados, isto vos garanto.

Considero maneiras péssimas alguém com a boca cheia de comida e que bebe ao mesmo tempo, como se fosse um animal

Em “Ein spruch der ze tische kert”:

Que as pessoas refinadas sejam poupadas daqueles que roem os ossos e os recolocam na travessa.

Em “Para aqueles à mesa”:

Uma porção que foi provada não deve ser devolvida ao prato de servir.

SÉCULO XV:

Estas são boas maneiras a mesa:

Lava as mãos quando te levantas e antes de todas as refeições.

Não sejas o primeiro a se servir de um prato.

Não reponhas em seu prato o que esteve em tua boca.

SÉCULO XVI:

“Da civilidade em meninos”, de Erasmo de Rotterdam, em 1530:

Não seja 0 primeiro a tocar o prato que foi trazido, não só porque isto demonstra gu!a, mas também porque é perigoso. Isto porque alguém que põe, sem saber, alguma coisa quente na boca tern ou de cuspi·la ou, se a engolir, vai queimar a garganta. Em ambos os casos, ele se torna tao ridículo como digno de pena. É urna boa coisa esperar um pouco antes de comer, de modo a que a menino se acosturne a controlar suas inclinações.

É grosseira enfiar as dedos no molho. Deve tirar o que quer com faca e garfo. Não deve procurar em todo o prato a melhor parte como fazem os epicuristas, mas pegue o que por acaso estiver a sua frente. Se lhe oferecem alguma coisa líquida, prove-a e devolva a colher, mas, antes, seque-a em seu guardanapo.

“De Galateo”, de Giovanni della Casa, arcebispo de Benevento, em 1558:

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Não obstante, esses porcos não têrn vergonha de usar os guardanapos assim emporcalhados para enxugar a suor (o qual, devido à maneira voraz e excessiva como comem, frequentemente lhes escorre da testa e rosto para o pescoço), e mesmo assoar neles o nariz, como fazem muitas vezes.

Introdução de Márcia Pinna Raspanti.

ELIAS, Nobert. “O Processo Civilizador. Uma história dos costumes”. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1990.

 

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