“Nenhum a menos”: cinema e educação

Por Natania Nogueira.

Embora o cinema seja uma mídia mundial, a produção cinematográfica à qual temos maior acesso é a estadunidense. E como sabemos, na indústria do entretenimento a arte cede na maioria das vezes ao lucro. Assim, temos filmes de ação, filmes de ficção científica e romances com orçamentos milionários em que o compromisso com a arte e a informação, quando ocorre, é secundário.

Nas salas de cinema, temos poucas opções de dias e horários para assistir a produções estrangeiras, como as do cinema russo, francês, chileno ou chinês. Perdemos, desta forma, a oportunidade de ter contato com outras realidades, outras visões de mundo. Fomos colonizados culturalmente pelos Estamos Unidos e dominados por um cinema capitalizado.

Mas sempre pode surgir a oportunidade de apreciar algo novo, diferente. É como ouvir música clássica ou antiga pela primeira vez. Lembro-me de quando levei alguns alunos para assistirem ao ensaio de um grupo de música colonial. Eles ficaram literalmente de queixo caído. Houve interesse legítimo em saber mais, em ouvir outras peças musicais.

Com o cinema não é tão diferente. Nos meus 24 anos de magistério, por exemplo, não me recordo de nenhuma vez em que tenha passado para meus alunos o filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, e não ter tido uma boa recepção. E se os alunos se surpreendem, nós professores também podemos nos surpreender.

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Esta semana, tive a oportunidade de assistir a um filme chinês, cujo nome é “Nenhum a menos”. O filme fala das condições da educação na zona rural chinesa, tendo como ambiente central um escola primária, em péssimas condições de conservação. O professor Gao, responsável pela escola, não recebe o salário há mais de cinco meses. A pobreza era tanta que faltava até mesmo o giz, que precisa ser racionado: apenas um por dia.

E é justamente a ausência do professor que dá início à trama. Ele precisa se viajar, por um mês. Para o seu lugar, o prefeito designa uma jovem professora. Jovem chega a ser um eufemismo: ela tem apenas 13 anos de idade. Wei Minzhi cursou apenas primário, é inexperiente e extremamente tímida. A menina se torna professora de uma escola e responsável por duas dezenas de alunos. Alguns moram junto com ela, na escola, que se torna um dormitório para aqueles que não podem retornar para suas casas ao final do dia.

O filme mostra a difícil realidade da educação na China, no final da década de 1990, uma realidade que se assemelha com a de muitas regiões brasileiras, onde professores sem formação adequada tentam ensinar o pouco que sabem a crianças e adultos para quem a escola é, muitas vezes, o ponto de referência e de união de toda uma comunidade. Fala da evasão escolar, das dificuldades materiais de se manter o ensino em uma aldeia pobre.

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É um filme singelo, simples, mas carregado de dramaticidade. Premiado no Festival de Veneza, de São Paulo, de Xangai e Beijing 1999, “Nenhum a menos” é, em minha opinião, um filme onde a arte, a informação e educação são priorizadas. Uma excelente produção, de baixo custo, que contou apenas com atores sem experiência e onde vários diálogos, principalmente das crianças, foram improvisados.

Como professora, pretendo experimentar mais esta obra cinematográfica na sala de aula. Como ser humano, me senti inundada de uma carga de emoções que fortaleceram meu espírito. Arte, pra mim, tem muito a ver transmitir emoções. Uma pintura, uma música ou mesmo uma obra arquitetônica tem esse poder. Como professores nós trabalhamos com isso, o tempo todo: emoções. Levar a arte para a escola, na forma do cinema ou da leitura, é tornar o espírito humano mais livre e a percepção de mundo mais ampla. É educar pela arte.

nenhum a menos

Cena do filme “Nenhum a menos”.

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