Na semana passada, escrevi um texto sobre mulheres que se declaram antifeministas. E os comentários foram muito interessantes. Para minha surpresa, algumas leitoras simplesmente negam que haja machismo ou discriminação contra as mulheres no Brasil de hoje. Um dos argumentos mais usados é “sou bem sucedida, nunca fui discriminada no trabalho, jamais sofri assédio”. E acusam as feministas de se fazerem de vítimas ou de buscarem tratamento privilegiado.
No ano passado, por exemplo, houve ampla discussão sobre o abuso sexual nos vagões dos trens e metrôs das grandes cidades. Falou-se sobre a “cultura do estupro”, que leva homens a se aproveitarem da lotação desses trens para assediarem as passageiras. Uma amiga me disse que usava o metrô todos os dias e nunca havia sofrido nenhum constrangimento. “Essa história de cultura de estupro é bobagem”, sentenciou. Esse é um tipo de comportamento comum, infelizmente. Tais mulheres orgulham-se de jamais terem passado por situações humilhantes como essas e isso parece lhes conferir uma espécie de superioridade. Elas seriam “bem resolvidas” e saberiam como se fazer respeitar. Enquanto as outras seriam fracas, histéricas, mal amadas, etc..(aquele velho discursinho de sempre).
Vamos supor que essas valorosas mulheres realmente nunca tenham enfrentado situações marcadas pelo machismo e a discriminação (o que é muito difícil, na minha opinião). Ou que tenham conseguido quebrar as barreiras pelos seus próprios métodos ou por uma suposta superioridade moral. Mesmo que isso fosse verdade, o que as impede de se solidarizar com aquelas que sofrem com essas situações? O que as faz desprezar a dor de quem passa por tais situações?
Como manter esse discurso irreal quando casos de estupro se multiplicam, assim como de violência doméstica? Como ser indiferente quando mulheres são mortas e mutiladas por companheiros por motivos como ciúme ou término de relacionamentos? Como ridicularizar uma trabalhadora que precisa lidar com encoxadas, passadas de mão, masturbação no transporte público? Como negar a disparidade de salários quando inúmeras pesquisas sérias e abrangentes provam o contrário? É como dizer “não passo fome ou sede, por que iria me importar com aqueles que passam?”
“A violência está em todo lugar”, muitas dizem. Sim, está. Isso, porém, não significa que devemos concordar com ela ou achar normal. Existe um tipo de violência (não apenas física) que sofremos apenas pelo nosso gênero. Não queremos privilégios, queremos tratamento justo. Não se trata de declarar guerra aos homens, mas de reagir à forma agressiva com que uma parcela deles – isso é muito importante – nos trata. E também, de uma maneira mais subjetiva, de tentarmos mudar a mentalidade patriarcal que domina a nossa sociedade.
Todo essa esforço pressupõe uma noção de coletividade, solidariedade, de agregar ao invés de segregar, de incluir e não de excluir. As mulheres que se dizem antifeministas geralmente batem no peito para mostrar, com orgulho,que elas individualmente conseguiram lidar com a situação de uma forma melhor que as outras. Ok, você ganha “mais que muito homem”, mas sabe que a maioria não tem essa felicidade. Aproveite sua condição para ajudar as outras, seja solidária e não parta para a desqualificação do feminino como fazem muitos homens (felizmente, há muitas exceções). Não finja que vivemos em um mundo ideal. Ou, se você não se importa com o resto do mundo, pelo menos, não saia ridicularizando quem pensa diferente (por necessidade ou princípio) apenas para receber uns poucos aplausos.
A seguir, algumas das frases mais infelizes que foram ditas sobre o feminismo:
– “Não sou feminista, sou feminina.”
– “Sou feliz e bem resolvida. Ser feminista para quê?”
– “Ganho mais que muito homem!”
– “Mulher que não se valoriza não merece respeito.”
– “Sou diferente da maioria das mulheres: sou independente, amada e gosto de futebol. Feminismo é bobagem”
– “O feminismo traz à tona o que há de pior na sociedade.”
– “Quero ser respeitada enquanto ser humano.”
– “Mulher feia e mal amada é que odeia homem”.
– “O verdadeiro feminismo era no passado. Agora, é só discurso.”
* Todas essas frases foram ditas por mulheres, aqui no blog, nas redes sociais ou pessoalmente, em resposta ao artigo “Sou mulher e odeio o feminismo. Será que tem cura?”.
Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Quem disse que o feminismo nega a feminilidade?
Obrigada pelo seu artigo.
O problema da fobia feminina ao feminismo é que muitas mulheres internalizam o machismo, odiando a causa feminista, e se esquecem que sem o feminismo nós mulheres não teríamos leis de igualdade salarial ou direito ao voto. Elas usufruem do trabalho árduo das nossas queridas avós feministas, mas se recusam a carregar a bandeira para as próximas gerações. Talvez por ignorância ou por achar que o trabalho ja esta acabado. Se enganam, pois a luta continua, no Brasil e no mundo. Enquanto houver a pratica da clitorictomia, estupros, violência domestica, desigualdade salarial, dupla jornada de trabalho não remunerada, falta de acesso à educação e aos direitos reprodutivos, a luta continua!
Obrigada pelo comentário! Não teria o que acrescentar às suas palavras.
Obrigada, Vanessa. Temos que tentar mudar essa imagem distorcida do feminismo. Todos só temos a ganhar com isso, mulheres e homens.
A violência é fato e as mulheres continuam sendo as maiores vítimas. No entanto, se o homem é fisicamente mais violento, não quer dizer que as mulheres sejam apenas o lado fraco. A mulher também pode ser muito violenta e vingativa e isso também vemos todos os dias, como em casos de separação, quando se acha no direito de tirar todos os bens do homem, afasta os filhos, chantageia, difama. Mulheres solteiras que propositalmente usam de subterfúgios para obrigar o homem se casar, e por ai em diante. Não concordo com a ideia feminista de colocar a mulher numa redoma e culpar os homens por todos os males. Somos humanos, erramos. Homens e mulheres.
Oi, Celina. Em nenhum momento falei que as mulheres são perfeitas, nem que não sabem ser violentas. Esse assunto já foi tratado aqui no blog várias vezes. O gênero não determina o caráter de ninguém. Estou especificamente falando sobre determinados tipos de violência: o estupro e o abuso sexual, por exemplo, atingem muito mais as mulheres; a violência doméstica também (a visão de que a mulher é propriedade e, portanto, não pode querer terminar uma relação é outro exemplo). Em nenhum momento, usei a palavra “culpa” ou fui simplista a ponto de dizer que nossos problemas vêm dos homens- inclusive porque o texto fala sobre mulheres antifeministas. Estamos discutindo mentalidades, heranças culturais, comportamentos, tradições, e o individualismo dos dias atuais. Disse no texto e repito: não se trata de declarar guerra aos homens, pois, a sociedade só irá mudar se todos mudarmos (homens e mulheres). Acho que a visão distorcida e preconceituosa do feminismo afasta muitas mulheres, que chegam a ter horror ao termo.
As mulheres não são o lado mais fraco, nós somos SOCIALMENTE ENSINADAS a sermos mais fracas. E nos casos que vc citou de violência “contra os homens” eu não consegui perceber a violência por conta do gênero masculino, mas sim por conta de uma relação afetiva entre os dois minimamente conturbada. Não se trata de culpar os homens, se trata de culpar os hábitos socialmente ensinados. Não vamos simplificar o complexo e vamos falar da mesma coisa, ok?