Namoros: realidade e ficção

No romance de Manoel Antônio de Almeida , Memórias de um sargento de Milícias, se vê que a aproximação era mais fácil nas classes populares, pelo menos quando comparada com as elites. O namoro de Leonardo, filho de uma “valente pisadela”  e um “tremendo beliscão”, com a filha da comadre rica, D. Maria, não tinha nada de restritivo. Ao contrário, não havia sequer vigilância cerrada sobre o casal que se encontrava só, muitas vezes.  Da mesma forma, a passagem de Leonardo pela casa  de Tomás da Sé permite a ele namorar, beijar uma das moças sem nenhum problema. No meio rural, tudo indica, seguiam-se regras estritas.

Mas além dos gestos tradicionais trazidos de Portugal – como a pisadela e o beliscão -, havia a correspondência secreta dos enamorados – conta-nos a professora parisiense AdéleToussaint-Samson. Ela se fazia, com freqüência, por meio do Jornal do Commercio. Nele, duas páginas, pelo menos, eram consagradas ao correio sentimental com frases do tipo: “Esperei-te ontem e não vieste! Aquele que morre de amor por ti implora uma resposta à sua carta”. “Ó virgem!Li o céu em teus olhos”. “Não passes mais sob minha janela; vigiam-no etc.”. Dizia ela que era  tão mais divertido seguir esta correspondência, quanto havia confusão entre os missivistas: “tomou-se uma carta por outra e a ação se complica”, ironizava a francesa sobre namorados que desafiavam as dificuldades impostas pelas famílias.

Coube à ficção romântica do período posterior descrever as atitudes que envolviam namoro e sentimentos. É o romance A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, que introduz na literatura brasileira, o amor romântico, importado da França. Pelo menos no que se refere à literatura do século XIX, não parece haver, indicação de que o namoro evoluiu para um sistema mais aberto de aproximação.

Por volta de 1840, cronistas locais ainda assinalavam os poucos divertimentos que se limitavam, no Rio, ao teatro São João e alguns teatrinhos e a piqueniques e soirées onde se bailava a gavota, a mazurca e as quadrilhas francesas. Música e dança serviam para traduzir sutilmente, o que não podia ser vivido de maneira mais direta. Afinal, enlaçar uma jovem, tocar-lhe a ponta dos dedos enluvados, sentir à distância o perfume de seus cabelos era o máximo de intimidade que teria um gavião ou taful com a sua pomba.

Mudanças vieram com os professores de dança, de origem francesa, despertando em Schlichthorst um crítico comentário: “Infelizmente também no Rio de Janeiro a dança francesa começa a suplantar a nacional. Não conheço nada mais desenxabido do que os chamados entrechats e ailes-de-pigeon (saltos coreográficos em que os pés batiam uns nos outros ou salto em que se imitava o bater de asas dos pombos) eternamente repetidos e que lembram um boneco de engonço a mover braços e pernas, conforme se puxa o fio. Mesmo uma gavota prefiro dançada no Brasil, de maneira a exprimir a idéia do amor que nega e consente”.

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Como se vê, tanto o conteúdo da música, escolhida e cantada, quanto à maneira de dançar – negando e consentindo -, podia traduzir sentimentos. Era possível, portanto, comunicar nessas oportunidades, afetos e gestos amorosos. O papel da sensualidade no olhar e na dança protagonizada por mulheres não escapou à Adéle Toussaint-Samson, – nas memórias sobre seus anos de Brasil -, que as viu bailar em festas de São João, no interior. Lamentando a tradição que começava a desaparecer, ela afirmava que tais costumes começavam a se perder no Rio de Janeiro, mas, eram conservados religiosamente no interior do país. “Vi, nesses dias, – diz ela – algumas damas brasileiras dançar, a pedido, o lundu, dança nacional que atualmente as mulheres jovens quase já não conhecem, e que consiste em um a espécie de passeio cadenciado, com um movimento de quadris e de olhos não desprovido de originalidade, e que todo mundo deve acompanhar estalando os dedos como castanholas[…] Nessa dança, o homem, de alguma maneira, não faz mais do que girar em volta da dama e persegui-la, enquanto ela se entrega a toda espécie de movimentos de gata dos mais provocantes”. Quanto mais maduras, segundo outro cronista, “mais dengues, e buliçosas”.

Apesar das restrições, existiam espaços de sedução onde as mulheres podiam exibir seus talentos, enfeitiçar, enviar recados e receber homenagens daqueles que por elas suspiravam. Podiam mesmo se comportar como uma provocante gata, se revelando dengosas e desenvoltas. Nas festas que juntavam homens e mulheres, as quadrilhas começavam às 9 da noite e o último “galope”, era  tarde. Às 3 da madrugada. Senhoras revezavam-se ao piano, móvel aristocrático francês e inglês, importado em massa, a partir de 1850, cujos acordes serviam para impressionar o sexo oposto. A partir da mesma década, por influência francesa, surgem as “soirées”. Aí se multiplicavam as pianistas, as diseuses de poémes, os recitais de canto, na maior parte das vezes, para exibir a menina casadoira.

Outra novidade vinda do estrangeiro foi o cotillon, – pequenos papéis com nomes de casais da literatura, tipo Romeu e Julieta ou Tristão e Isolda, – distribuído entre os jovens. A moda, vinda dos salões franceses obrigava os jovens tímidos a participar das atividades sociais. O problema, é que a moda promoveu também tragédias nascidas de um flirt, ensejou infidelidades, esboçadas num volteio de valsa, alimentou ciúmes. E não faltavam os críticos da velha guarda, que viam, nestes encontros, só os aspectos ridículos, procurando corrigi-los pelo humor.

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A presença de estrangeiros na capital do Império também introduzira modismos nas práticas de corte amorosa. No caso da presença espanhola, por exemplo, exigia-se do cavalheiro uma “conversa viva, mas não trivial, porque a galanteria espanhola exige que se dedique atenção exclusiva a uma só dama”. No entender de Schlichthorst isto era mais digno e decente do que “o deslavado cortejar a todas, que vindo da França, se propagou pelo mundo inteiro”.

A primeira época do reinado de D. Pedro II, entre 1840 e 1867, até a Guerra do Paraguai, se copiavam tanto os esplendores do Segundo Império francês, quanto os maus costumes. Paris dominava o mundo. O Rio de Janeiro se contagiava por imitação. Nos diferentes bairros, proliferavam Sociedades com títulos preciosos: Vestal, Sílfide, Ulisseia. A dupla piano e charuto torna-se inseparável: a mocidade abandonara o rapé, preferindo olhar a fumaça com volúpia. Rapazes pareciam sonhar com um charuto entre os lábios, enquanto a jovem atacava uma valsa no piano. Lia-se Byron, solfejavam-se óperas como Nabuco ou Otelo. O Catete, “o bairro do bom-tom, da elegância, do espírito, da aristocracia- o fabourg Saint-Germain do Rio de Janeiro,  tinha salões onde ecoavam canções em francês. Tudo era pretexto para reuniões e encontros: São João, Reis, Natal com dança depois da missa, bailes à fantasia em que mimosas pastoras ou lindas escocesas, iluminadas por velas, eram tiradas para dançar.

Na correspondência da época, vemos que era comum um rapaz de família “produzir” uma jovem sua parenta, para apresentá-la a futuros pretendentes, como registrava Francisco Otaviano, futuro senador, poeta e advogado. “A N…não se casa porque achou oposição na família e a Corte desabusa de cálculos de província. Na noite do Campestre fui eu quem a produziu e apresentei a alguns cavalheiros e estes a ela. O Wanderley ficou doido, o Janses embasbacado e muitos enamorados”.

Outro momento de encontro entre os sexos era os dos banhos de mar. “É divertido verem-se as moças e os rapazes brasileiros correndo pela praia, soltando gritos de prazer toda a vez que uma onda mais pesada rola por cima de um grupo e os atira cambaleando sobre a areia – […] senhoras em roupa de banho de tecido escuro, soltam as tranças. Homens e mulheres de mãos dadas entram no espumoso elemento e, assim os que não são bem adestrados em natação podem resistir ao embate das ondas mais fortes que caem sobre eles. De vez em quando algum gaiato grita: “Tubarão! Tubarão!”, molhando as senhoras, para provocar o riso dos garotos”, contam os missionários anglicanos Kidder e Fletcher em 1851.

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As estreitas ruas nas capitais, até finais do século, ruas como a do Ouvidor, por exemplo, também tinham seu papel de mediadoras de amores. Até Machado de Assis escreveu contra o seu alargamento: “se a rua ficar mais larga para dar passagem a carros, ninguém irá de uma calçada a outra, para ver uma senhora que passa – nem a cor de seus olhos, nem o bico de seus sapatos, e onde ficará em tal caso o “culto do belo sexo” se lhe escassearem os sacerdotes”? E de fato, leitor, as ruas eram a vitrine na qual elas desfilavam, com o pretexto de ver as outras vitrines – as comerciais – sobretudo depois que se instalaram lampiões de gás na década de 1860. O flirt, – palavra que aparece no início deste século para designar amores mais ou menos castos – era feito nas ruas principais de cada cidade.

A ópera – introduzida por D. Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II – e os teatros que tinham se multiplicado durante o Segundo Reinado, também estimulavam namoros à distância: um código de olhares por sobre os leques, o ruge-ruge de tafetás e sedas entre frisas e camarotes, pois as moças se sentavam e levantavam para exibir suas toilettes, encomendadas especialmente para a ocasião, o rubor das faces, resposta a um olhar masculino mais prolongado, tudo isto, fazendo parte do diálogo mudo entre apaixonados.

Os homens mais cobiçados eram então, os “Leões do Norte”: ricos, filhos de senhores de engenhos, e que correspondiam à passagem da aristocracia canavieira para a cidade, a transição do engenho, no interior para o sobrado, na capital. Os leões tinham, – como reza a música – seu “tempo de estudar na cidade grande”.

Nas festividades familiares, mesmo sob o olhar rigoroso de mães, pais e tias solteironas, os jovens conseguiam enganar os chaperon, – nome que designava a pessoa escolhida para vigiar ou acompanhar as jovens – enviando ao escolhido ou escolhida um sinal de seu interesse. Mais ou menos em todo o Brasil oitocentista, os cenários para os ritos amorosos se expandiam. – Mary del Priore.

leitora

 

“A Leitora”, de Fragonard: realidade bem distante dos romances.

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