Mulheres, Política e Religião nas Histórias em Quadrinhos

Por Natania Nogueira.

A religião é uma forma de aproximação do homem com Deus. Ela promove a agregação, a união de grupos muitas vezes separados por diferenças sociais e/ou econômicas. Através dela, construímos todo um universo simbólico. A religião tem, na teologia, um espaço privilegiado de estudos, no qual o simbolismo religioso ganha novos contornos e análises mais profundas. Falar de religião é mergulhar no lado mais íntimo do ser humano. 

Por vezes, no entanto, a religião deixa de agir como elemento agregador e passa a fomentar o caos. É o que já presenciamos em vários momentos da história da humanidade e que, nos dias atuais, ainda é uma realidade.

Uma vez que a religião envolve a vida cotidiana, ela se torna o motor da sociedade e dita as regras mais simples: como se vestir, como se comportar, como falar e com quem se relacionar. Na história das mulheres, a religião foi muito mais opressora do que agregadora.

O papel das mulheres no universo religioso, por vezes, é meramente periférico. A elas são negados os mesmos direitos dos homens, mas duplicados os deveres. Esperamos das mulheres um exemplo de pureza praticamente inalcançável. O pecado, por assim dizer, parece acompanhá-las e estigmatizá-las.

Essas representações femininas, que se alternam entre exemplos de mulheres virtuosas e pecadoras, estão presentes tanto na cultura ocidental quanto na oriental. Nas artes e na literatura. Elas são didaticamente descritas de forma que o(a) leitor(a) possa nelas identificar e distinguir as boas mulheres das más, pelas suas atitudes e seu comportamento. As virtuosas são aquelas que se sacrificam, as pecadoras são as que se entregam aos prazeres da vida.

Na geografia das religiões, o território feminino está sendo cada vez mais colonizado pelo moralismo masculino. Mas, onde impera a repressão, floresce a resistência. E essa resistência se manifesta de diversas formas e nos mais variados espaços. Um desses espaços é o das Histórias em Quadrinhos.

São quadrinhos produzidos também por mulheres que falam de religião, mas, principalmente, dos preconceitos que a cercam. Preconceitos que atingem, especialmente, as mulheres, vítimas de formas variadas de repressão. Elas são proibidas de expressar, de estender sua relação com Deus. Elas são vítimas de violência simbólica e a elas é negada a voz. A violência simbólica, segundo Pierre Bourdieu, é exercida através de um conjunto de mecanismos de conservação e reprodução das estruturas de domínio. Os dominados, inconsciente e involuntariamente, assimilam os valores e a visão do mundo dos dominantes; o modo de ver, a maneira de valorar, as concepções de fundo são as dos dominantes. Os dominados ignoram totalmente esse processo de aquisição e partem ingenuamente do princípio de que essas ideias e esses valores são os seus. Esses valores são reproduzidos de várias formas, por vários canais.

Marjane Satrapi é um exemplo disso. Para garantir sua liberdade de expressão e construir sua carreira como cartunista de sucesso, tornou-se uma exilada. Mulheres como Chantal Montellier, Claire Bretécher e tantas outras, apesar de já possuírem carreiras consolidadas, ainda sofrem com o preconceito e a discriminação por serem mulheres. Para a mulher cartunista criar uma personagem polêmica pode representar o ápice de sua carreira, mas pode significar uma pressão social cada vez maior sobre sua vida pessoal e profissional.  Quando o tema religião está envolvido, o desafio é ainda maior.

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Persépolis –  Marjori Satrapi.

SUGESTÕES DE LEITURA:

BRAGA JR, Amaro Xavier, REBLIN, Iuri Andreas (org). Religiosidades nas Histórias em Quadrinhos. – Leopoldina: ASPAS, 2015.

 SATRAPI, Marjane. Persépolis, vol.01. São Paulo: Cia das Letras, 2004.

Persépolis –  Marjori Satrapi

Ver mais  Coleção de Obras Raras da Biblioteca do Senado

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