Luísa Brunet e uma História repleta de violências contra as mulheres

           Hoje, acordamos com uma notícia chocante: a ex-modelo e atriz Luísa Brunet, 54 anos, denunciou que sofreu agressões físicas de seu companheiro, um empresário com quem vive há cinco anos. Com quatro costelas quebradas e marcas de socos e chutes, inclusive no rosto (segundo o que foi noticiado na imprensa), Luísa teve que se esconder até o agressor sair do apartamento onde teria ocorrido a agressão, em Nova York. Tomou um avião e fugiu para o Brasil, onde registrou a ocorrência no Ministério Público e submeteu-se ao exame de corpo de delito. Agora, esperamos que o processo siga seu curso e o agressor seja responsabilizado por suas ações. Muita gente se pergunta como algo assim pode ocorrer com uma mulher tão bem sucedida e famosa. Sim, infelizmente, a violência contra a mulher não se restringe a um grupo ou a uma classe social, ela está presente em todos os estratos da nossa sociedade. Muitas vezes, mulheres independentes e abastadas têm vergonha de denunciar o ocorrido. Humilhação, especulações sobre a vida pessoal (sempre há quem diga que “alguma ela aprontou para que fosse espancada”), vergonha, sentimento de culpa, tudo isso acaba impedindo que as mulheres se exponham publicamente nesse tipo de situação.

           Por isso, a atitude da bela Luísa Brunet é tão importante. Nada justifica uma agressão covarde, nada justifica a violência doméstica. Esperamos que outras mulheres sigam seu exemplo e não deixem seus agressores impunes. A atriz afirmou que “é doloroso aos 54 ter que se expor dessa maneira” e disse ter criado coragem por causa da situação das mulheres no Brasil de acordo com o jornal Folha de S. Paulo. A desqualificação da mulher, a visão de que ela é apenas uma propriedade do marido, amante ou mesmo do pai tem sido uma das maiores causas do feminicídio e da violência contra o gênero feminino. Nos tempos do Brasil Colônia, as mulheres sofriam com agressões físicas e também com o abandono, a humilhação e a privação de bens ou dos filhos. Não faltaram casos em que elas apelaram ao Estado para protegê-las de alguma forma: “apelar ao governador de plantão era recurso habitual de mulheres que não hesitavam em abrir processo de divórcio ou separação de corpos no tribunal eclesiástico. (…) E havia ainda as maltratadas: mulheres que apanhavam, eram amarradas ao pé da cama ou em cercas fora de casa, deixadas ao relento, sem alimento – enfim, mulheres que sofriam toda forma de violência física”, conta Mary del Priore, em Conversas e Histórias de Mulher.

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          Até hoje, quando surge na mídia um episódio de agressão ou mesmo assassinato de uma mulher pelo companheiro, imediatamente começam as especulações sobre parcela de culpa que a vítima teria no ocorrido. O que ela teria feito para “tirar do sério” o homem? Ela o teria traído? Como se isso desculpasse ou justificasse o crime cometido. Por isso, tantas mulheres hesitam em denunciar as agressões. Esse pré-julgamento, somado ao velho ditado que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, têm resultado em muitas tragédias anunciadas e na impunidade de muitos criminosos. Esse tipo de justificativa para a violência tem raízes profundas.

        Na legislação lusa e na sociedade colonial, a punição do assassinato do cônjuge por adultério era desigual. “Enquanto para as mulheres não se colocava sequer a possibilidade de serem desculpadas por matarem maridos adúlteros, aos homens a defesa da honra perante o adultério feminino comprovado encontrava apoio nas leis. O marido traído que matasse a adúltera não sofria nenhuma punição. Diziam as Ordenações Filipinas: ‘Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como o adúltero, salvo se o marido for peão, e o adúltero, fidalgo, desembargador, ou pessoa de maior qualidade’. Assim, enquanto a condição social do parceiro do adultério era levada em conta, a condição social da adúltera não se revestia da menor importância; tanto podia ser morta pelo marido a plebeia como a nobre. Outra punição para as adúlteras era o confinamento em um convento”, conta a historiadora.

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            Quando nos debruçamos sobre os processos de divórcio de nossos antepassados, descobrimos que as relações conjugais eram permeadas por violência real ou simbólica, abusos sexuais e maus-tratos de todo tipo. Isso ocorria entre os mais ricos e os mais pobres, entretanto, havia uma parcela da população feminina que sofria mais ainda: “Acrescente-se à rudeza atribuída aos homens o tradicional racismo, que campeou por toda parte: estudos comprovam que os gestos mais diretos e a linguagem mais chula eram reservados a negras escravas e forras ou mulatas; às brancas se direcionavam galanteios e palavras amorosas. Os convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podia ir direto ao assunto sem causar melindres”, complementa Mary.

             Já no século XIX, o triângulo amoroso formado por D. Pedro I, a imperatriz Leopoldina e Domitila, a Marquesa de Santos, escandalizou a corte. Por muito tempo, especulou-se que Leopoldina teria sofrido agressões físicas por parte do marido, o que a teria levado à morte. Essa versão é bastante contestada pelos historiadores atualmente, e a exumação do corpo da imperatriz não mostrou sinais de violência, encerrando de vez esse boato. No entanto, Leopoldina conviveu com a humilhação pública, o abandono e o desprezo do imperador. Foi obrigada a beijar a mão da amante de seu marido em uma cerimônia oficial. No leito de morte, teria sido proibida de ver os filhos por essa mesma mulher. Antes de morrer, se rebelou, despejou toda sua mágoa e rancor sobre a rival. Foi uma pessoa sofrida, vítima de uma sociedade misógina e extremamente cruel com as mulheres. A própria Domitila, amante mais famosa de D. Pedro I, foi esfaqueada duas vezes pelo primeiro marido, devido a suspeitas de adultério, mas conseguiu o divórcio em 1824, com ajuda do amigo poderoso. (“A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore).

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             Nem todas foram vítimas, pois muitas, mesmo em face das dificuldades, tentaram reagir, pedindo ajuda ao governador, ao bispo, a um amante protetor, à família, fugindo ou pagando na mesma moeda o mal sofrido. Esposas, amantes, ricas e pobres, negras, mestiças ou brancas: a História nos mostra que a violência nunca poupou nenhuma dessas mulheres.

– Texto de Márcia Pinna Raspanti.

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Imagem: Divulgação.

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