Moças casadoiras

Durante o século XIX, as moças viviam reclusas sob o poder dos pais até o momento de passar, ainda adolescentes, às mãos do marido. Aos olhos dos estrangeiros, elas se interessavam prematuramente pelo sexo oposto: “Antes de cumprir dez anos, uma menina conhece perfeitamente bem o valor dos homens como maridos e o que é o flerte; gracejará com suas irmãs a respeito deste ou daquele rapaz e se dará conta muito bem de que seu próprio objetivo na vida é assegurar-se um homem”, diria a inglesa May Frances em 1890.

Não havia liberdade para escolher de acordo com o coração, e os arranjos promovidos pela família prevaleciam: “Minha filha, este é o teu futuro esposo”, sublinhava o missionário norte-americano Daniel Kidder, que, em 1837, via os pais entregarem as filhas aos amigos. A virgindade era severamente controlada, e moças não saíam sozinhas com rapazes. As oportunidades de comunicação também eram raras.

Por muito tempo, o casamento foi um “negócio”, não só porque envolvia duas pessoas, mas porque se tratava de um mecanismo presidido pelos pais. Certa angústia os perseguia quando a filha atingia a idade de casar, ocasião em que era bom ter uma rede de relações para, então, descobrir um candidato aceitável. Em missas e festas, as mães inspecionavam os candidatos com o olhar, analisando as cifras das fortunas familiares. Um vocabulário próprio às estratégias matrimoniais era colocado em ação: aliança, fortuna, salvar as aparências, nome. Havia grande preocupação com o que se dissesse sobre a futura união, por isso toda a parentela se mobilizava para achar o animal raro: tios, tias, sobrinhos, padres, amigos, além das casamenteiras, que faziam convergir para os pais informações o mais precisas possível. Porém, perigo: algumas jovens tinham “caprichos”. Nesse caso, o problema passava a ser outro: evitar que ela “caísse”, que cometesse uma “falta”. Perder a virgindade antes do casamento era grave, mas engravidar, pior ainda: era gravíssimo. Tudo girava em torno do dote e da “fama” da moça.

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O culto à Virgem e a influência da Igreja católica eliminavam a possibilidade de “perder a honra”. Até mesmo as viúvas deviam se conservar castas em respeito à memória do marido. O crime de sedução ocupava espaço no noticiário diário. Nele, a mulher era defendida quando vítima da violência masculina, e culpada quando cedia à fraqueza do próprio sexo. A barreira criada pela perda da honra era tão grande que, muitas vezes, levava ao suicídio.

A mulher procurava aperfeiçoar os dotes artísticos e físicos para valer mais no mercado matrimonial. O dote contava muito, e a ausência dele fazia ruir alianças. Agências matrimoniais se ocupavam de encontrar o par perfeito: ela, rica; ele, pobre, mas trabalhador. A falta de maridos e esposas endinheirados promoveu casamentos entre brancas e mulatos. Arranjos matrimoniais de órfãs com rapazes católicos de boa conduta eram estabelecidos por administradores de asilos. As moças que recebiam educação conveniente na Santa Casa de Misericórdia, por exemplo, onde aprendiam a ler, escrever e costurar, levavam de dote entre duzentos e quatrocentos mil-réis; as que que não tinham dote nem marido, tal como no Brasil colonial, continuavam chefiando lares monoparentais. – Mary del Priore

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Ideal de mulher no século XIX: reclusa, obediente e dócil. 

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