Audiência Pública: biografias não autorizadas

Na semana passada, foi realizada a audiência pública no STF sobre a questão das biografias não autorizadas. Historiadores e escritores, como Mary del Priore, se posicionaram contra a censura a este tipo de trabalho. Reproduzimos abaixo a matéria veiculada pelo STF, com os argumentos dos expositores. Este é um tema fundamental para os historiadores, estudantes e todos os cidadãos que lutam pelo direito à informação e pela liberdade de expressão. Acompanhe:

Expositores defendem liberdade de expressão para biografias

Os cinco primeiros expositores da audiência pública sobre biografias não autorizadas, realizada nesta quinta-feira (21) no Supremo Tribunal Federal (STF), defenderam a inconstitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil que tratam do assunto. A escritora Ana Maria Machado, da Academia Brasileira de Letras (ABL), afirmou que a entidade se posicionou unanimemente a favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que questiona os dois artigos.
Na sua avaliação, a necessidade de autorização prévia do biografado ou dos seus herdeiros é uma “ameaça à cultura e literatura nacional”. Segundo ela, a censura privada é “inaceitável” e traz graves prejuízos econômicos à produção de livros e à sociedade. “As biografias constituem gênero literário e fonte histórica. Não podemos prescindir delas. A continuidade da civilização se fez lentamente pelo acúmulo de obras históricas e literárias. A literatura permite conhecer a sociedade através dos tempos. Conhecer a vida dos nossos antepassados é uma ferramenta fundamental para a construção do nosso futuro e a formação da nossa identidade cultural”, sustentou.
Para Ana Maria Machado, condicionar a publicação de biografias à autorização prévia significa aceitar que o arbítrio pessoal prevaleça sobre a livre manifestação de expressão. “Essa interpretação restringe a criação, compromete a literatura e empobrece a história brasileira. Outro grave risco está na abertura da porta para a censura à imprensa”, apontou.
Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD)
Roberto Dias, da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD), afirmou que o Estado não deve somente se abster de praticar a censura, mas deve atuar pela liberdade de expressão. “A autorização prévia suprime o pluralismo e afeta o regime democrático. Não há censura do bem e do mal. Há apenas uma censura, aquela proibida pela Constituição Federal”, argumentou.
Para o representante da ABCD, as pessoas notórias têm sua esfera de proteção de intimidade reduzida por serem pessoas públicas. Ele destacou ainda as dificuldades enfrentadas pelos biógrafos brasileiros e lembrou que o STF revogou a Lei de Imprensa, editada durante a ditadura militar. “Hoje, a censura se dá por decisões judiciais pontuais, não pelo Estado, como era na ditadura”, sublinhou.
União Brasileira de Escritores
O escritor Alaor Barbosa dos Santos, da União Brasileira de Escritores, defendeu que os artigos 20 e 21 do Código Civil não deveriam existir, pois são inconstitucionais. “Nesses artigos, não existe referência alguma ao gênero livro e espécie biografia. É um equívoco intelectual primário interpretar que é necessária a autorização prévia para biografia e a consequente possibilidade de proibi-la. Criou-se artificialmente uma categoria nova e imaginária de livro: a biografia não autorizada”, apontou.
A seu ver, o artigo 5º, inciso 9, da Constituição Federal (é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença), protege o trabalho dos biógrafos .”As proibições de biografias pela Justiça têm sido lamentáveis e desastrosas proezas contra a Constituição. É proibido no Brasil proibir livro”, destacou, lembrando que o inciso 10 do mesmo artigo prevê o direito à indenização no caso de violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. “A Constituição é, antes de tudo, libertária”, concluiu.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
O professor José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que hoje o estudo dos protagonistas da história e dos simples cidadãos voltou a ser instrumento para entender a história. “Submeter as biografias à censura prévia elimina a possibilidade de produção de obras confiáveis. A censura de biografia e da história priva o acesso à informação. A história não pode ser escrita sem as biografias”, defendeu ele, que escreveu um livro sobre D. Pedro II.
Para o professor, é incoerente personalidades públicas defenderam a autorização prévia. “As pessoas públicas optaram pela vida pública e vivem financeiramente do público. Viver do público e ao mesmo tempo privar o público da sua vida privada é incoerência. A censura às biografias pode tornar inviável a publicação de notícias e opiniões que podem ser interpretadas como ofensa à honra”, ponderou.
Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão
O representante da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão, Leo Wojdyslawski, relatou que há um desconforto na produção audiovisual devido à insegurança jurídica. Segundo ele, vários documentários, inclusive já finalizados, não puderam ser exibidos, pois os biografados ou seus herdeiros não autorizaram. “Há uma grande demanda para produções nacionais por causa da Lei da TV por Assinatura, mas estamos com grande dificuldade de cumprir a cota de produção nacional, porque o documentário tem sido muito ameaçado”, salientou.
Ele citou que, na questão das informações sobre intimidade das pessoas, há três situações mais comuns na Justiça. “No caso de matérias da imprensa, as decisões têm sido favoráveis à liberdade de expressão. Na publicidade, em relação ao uso de imagens para fins publicitários, acontece o contrário, permanecendo o direito de imagem. Já sobre filmes e biografias, há decisões para todos os lados. Tem sido caso a caso. Não há uma harmonização da jurisprudência, o que causa uma insegurança jurídica que desestimula os projetos nessa área”, frisou.

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(“Notícias STF”, 21/11/2013).

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