Mães amorosas, crianças mimadas…

Os testamentos feitos por jovens mães no século XVII não escondem a preocupação com o destino dos “filhinhos do coração”. Ao morrer, pediam às comadres e parentes que os fizessem aprender as primeiras orações e a ler e escrever.  Os viajantes estrangeiros não cessaram de descrever o demasiado zelo com que, numa sociedade pobre e escravista, os adultos tratavam as crianças. As cartas desesperadas de mães, mesmo as escravas analfabetas, tentando impedir que os rebentos partissem como grumetes para a guerra do Paraguai, sublinham a dependência e os sentimentos que se estabeleciam entre umas e outros.

No passado, a mãe era tudo: era ela quem comandava a família na luta contra a instabilidade econômica e social; quem aproximava os filhos da casa, dando-lhes estabilidade para se manter na ausência de maridos e companheiros. As alianças estabelecidas com os filhos sustentavam os domicílios onde estes viviam, e, se não viviam em casa por trabalharem fora, voltavam para comer, tratar doenças e feridas. Mães e filhos viveram juntos o lento processo de colonização e, depois, de urbanização no século XIX. Sua vivência era marcada pelo ir e vir dos homens que, como se dizia então, tinham que “andar por fora” em busca de trabalho. Essa tradição continua no Nordeste brasileiro.

Nos dias de hoje, educadores e psicólogos perguntam-se, atônitos, de onde vêm o excesso de mimos e a “falta de limites” da criança brasileira, já definida, segundo os resmungos de um europeu de passagem pelo Brasil em 1886, como “pior do que um mosquito hostil”.

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Como fazer uma criança obedecer a um adulto, como queria a professora alemã, Ina von Binzer, que vai, na segunda metade do século XIX, às fazendas do vale do Paraíba ensinar os filhos dos fazendeiros de café, quando esses distribuem ordens e gritos entre os escravos? E não eram apenas as crianças brancas que possuíam escravos. Crianças mulatas ou negras forras, uma vez os pais integrados ao movimento de mobilidade social que teve lugar na primeira metade do século XVIII, tinham também seus escravos. Muitas vezes, os próprios parentes ou até meios-irmãos! Na sociedade escravista, ao contrário do que supunha a professora alemã, criança mandava e o adulto escravo obedecia.

Viajantes estrangeiros não percebiam nenhum esforço educativo por parte das mães. Os pequenos davam a impressão de reinar absolutos, e não havia autoridade que se impusesse sobre eles. No entender dos estrangeiros, eram seres não socializáveis. Anjos inocentes na verdade mascaravam pequenos selvagens que sobreviviam graças à tolerância dos adultos. Cresciam malcriados, não importando a condição nem a cor. Para norte-americanos e ingleses, a condição das crianças era o espelho dos males que atingiam o Brasil à época: “indolência, orgulho, sensualidade e egoísmo” eram “as consequências da escravidão que acabaram escravizando os inventores do cativeiro e seus filhos”. Mulheres sem educação resultavam em filhos idem, criticavam.

Um estrangeiro,  James Wells, em 1866, deixou seu depoimento: “Gritam à menor provocação, mordem, arranham e ainda insultam as pacientes negras que cuidam deles. Às lamúrias da mãe do tipo: Ai! Meu Deus!… Não faça isso meu bem. Não chora benzinho. Ah! Meu Deus!… o pequeno redobrava a gritaria e era levado chutando e mordendo”.

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Não foi o único. Em 1852, Carlos Saenz de Tejada Benvenutti escrevia a um amigo, descrevendo a filha do patrão: “Essa senhorita que tem oito ou nove primaveras está sempre chorando e gritando e só silencia quando uma escrava coça-lhe as costas ou quando brinda o irmãozinho com socos e pontapés”. – Mary del Priore.

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Foto da Fazenda Quititi, no Rio de Janeiro, 1865. A criança branca com seu brinquedo e os pequenos escravos descalços. (Georges Leuzinger/Acervo Instituto Moreira Salles).

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  1. William Fonseca Freire

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