Lazer e ócio no Brasil

 Neste período de férias, vale a pena conhecer um pouco mais sobre as atividades de lazer no Brasil de antigamente. O que os nossos antepassados faziam no tempo livre? Como se divertiam? Confira:

Em 1789, no seu Pequeno Elucidário de Palavras e Frases, o padre Joaquim de Santa Rosa de Viterbo ignorou olimpicamente o termo “lazer”. Outros filólogos, contudo,  o repertoriaram desde o século XII. A significação? Do latim licere, lazer significava “ser permitido”. A palavra expressava o estado no qual era permitido a qualquer um, fazer qualquer coisa. O senso comum consagrava um uso: o do período de tempo fora do trabalho, tempo esse passado, na maior parte das vezes, em atividades domésticas. Ao longo da Idade Moderna, a ideia de lazer se consolidaria ao mesmo tempo do que aquela de privacidade.

Como é sabido, a história da vida privada no Brasil teve sua especificidade e nela, o lazer ganhou espaço singular. Nos primeiros séculos, o lazer era algo em construção: um conceito exíguo, desfalcado mais do que conquistado, além de negociado nas brechas de uma existência provisória. Afinal, o Brasil foi, por muito tempo uma colônia de exploração. O tipo de atividade econômica predatória que se desenvolvia no Novo Mundo impunha uma compulsão do trabalho. O envolvimento de quase todos os atores sociais, – homens e mulheres, livres e escravos – com a terrível luta pela sobrevivência se somava à mobilidade das populações, à precariedade de suas vidas  e ao convívio com uma massa de escravos, deixando pouco tempo “para qualquer um fazer qualquer coisa”.

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Além do pouco tempo livre, o cristianismo zelava pela observância dos seus preceitos, dentre eles o combate o ócio. Comer o pão da preguiça era cometer um dos sete pecados capitais. “Cabeça vazia, oficina do diabo”, dizia o ditado popular. Representada pelo demônio Belphegor, a preguiça era a recusa de realizar tarefas necessárias.  Cruzinhas de madeira pregadas à porta, imagens de santos em oratórios ou reproduções em tela ou papel, nas paredes, se encarregavam de vigiar o cotidiano de nossos antepassados, evitando moleza. Mergulhados em certo pieguismo barroco, se nossos avós não eram consumados ortodoxos – como demonstrou o antropólogo historiador Luis Mott – eram permeáveis à doutrinação que a Igreja católica colocara em funcionamento.

Vale lembrar, ainda, que apesar da terrível exploração em que vivia grande parte dos habitantes, livres e escravos, eles não escaparam a acusações que faziam do Brasil, o “berço da preguiça” – nas palavras do professor de latim, Luís dos Santos Vilhena, ao início do século XIX. Afinal, nossos antepassados seriam ociosos, com tempo de sobra para o lazer ou oprimidos por um faminto sistema mercantil? Ambos. Por isso mesmo, percebê-lo na documentação do período colonial não é fácil. Mas isto não impede que ali e aqui se descubram fragmentos da vida humana, que, entrando na historiografia, imiscuem-se entre as informações que temos sobre a vida social e cultural no passado. E por meio dessa modesta coleta, perceber que, nos primeiros séculos, nosso lazer começou a se construir modelado por muitos constrangimentos.

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Mary del Priore

sprugendas

“Costumes de São Paulo”, Rugendas.

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