Temos assistido a muitos episódios de intolerância religiosa no Brasil, ultimamente. Nesta semana, uma menina de 11 anos foi atingida por uma pedra, no Rio de Janeiro, ao sair de uma festa de candomblé. Aqui no nosso blog já trouxemos o depoimento da professora Elaine Marcelina, que relata a dificuldade em abordar religião e cultura africanas em sala de aula, devido ao preconceito. Ataques e hostilidades a terreiros e a seus frequentadores não são raros. Infelizmente, desde o início da colonização, a religiosidade dos africanos sempre foi combatida.
O sincretismo é um aspecto fundamental da religiosidade do brasileiro, que mesclou influências africanas e indígenas, além da tradição popular europeia, ao catolicismo. “A religião africana vivida pelos escravos negros no Brasil tornou-se assim diferente da de seus antepassados, mesmo porque não vinham todos os escravos de um mesmo local, não pertencendo a uma única cultura”, nos conta Laura de Mello e Souza, em “O Diabo e a Terra de Santa Cruz”.
As visitações do Santo Ofício se preocuparam em coibir as “imperfeições” catolicismo local, perseguindo o sincretismo, praticado pelos “hereges, bruxos e feiticeiros”. E, já no século XIX, a situação das religiões de matriz africana não se altera muito. “Sacrifícios de animais, o contato com deuses e orixás, as previsões do futuro, a cura das doenças e o papel do sacerdote eram vistos como práticas diabólicas, sobretudo pela Igreja Católica. Anteriormente, muitos foram perseguidos pela Inquisição, que confundia batuques e danças frenéticas com invocações ao Demônio”, diz Mary del Priore, em “Do Outro Lado”.
A historiadora acredita que a religião foi uma forma de resistência à escravidão. ”Não faltou clientela branca nos grandes terreiros de candomblé, macumba e umbanda, onde a relação de submissão do preto passava a ser de dominação; de escravo passava a senhor. Ele mandava, conjurava espíritos e resolvia a vida dos outros. Apenas o ‘pai de santo’ se conectava com o mundo invisível, habitado por entidades espirituais responsáveis pela vida. Seus rituais viabilizavam essa interação. Ali, os brancos obedeciam e se curvavam”, afirma. Esse poder, entretanto, assustava as autoridades, e a polícia tratava de coibir essas manifestações de “charlatanismo”.
Com a proclamação da República, em 1889, se fazia a separação entre Igreja e Estado, institucionalizando a liberdade de culto. Entretanto, a Primeira República, com seu viés positivista, também combateu manifestações religiosas consideradas pouco “ortodoxas”. O Código Penal de 1890 considerava crime contra a saúde pública: ”Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias,para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim,para fascinar e subjugar a credulidade pública”. As penas previstas eram prisão e pagamento de multas.
Nicolau Sevcenko, em “Literatura como Missão”, destaca que o novo regime lutava contra os velhos “hábitos coloniais”, buscando o “progresso e a ciência” e perseguindo todas as formas de religiosidade e cultura populares. A luta contra o atraso era também um combate às “trevas e à ignorância”, que se manifestava também pela perseguição policial ao candomblé e aos cultos de origem africana, além da rejeição às festas e tradições populares.
Mesmo com as perseguições e o preconceito as religiões de matriz africanas continuam atraindo muitos adeptos, nos dias de hoje. É importante destacar também que outras religiões sofreram no passado e ainda sofrem com a intolerância: os cristãos foram perseguidos em determinados períodos do Império Romano, os judeus foram combatidos pela igreja católica, assim como os protestantes. Segmentos radicais cristãos, judeus e muçulmanos ainda hoje travam embates violentos em diversos países por questões religiosas.
No Brasil, um país laico e que garante a liberdade de culto, é preocupante esse acirramento do radicalismo religioso. A História nos ensina o quão perigoso é esse caminho…
Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Oi Marcia, gostei muito querida. Obrigada.
O aumento das manifestações de intolerância estão crescendo na medida que nós, adeptos das religiões de matrizes africanas, estamos deixando de nos esconder. O preconceito sempre existiu e sempre foi negado, agora o enfrentamos e por isso o incomodo aumentou para pessoas intolerantes. Continuemos na luta, na resistência e unidos por nossas crenças e tradições contra estes atos abomináveis.
Sou Professora e militante do Movimento Negro Unificado e todas essas questões de racismo, intolerância religiosa, infelizmente tem crescido em nossa sociedade. Penso que temos que debater este tema nas Escolas, nas Universidades, nas praças, no bairro, em todos os espaços, o respeito é fundamental. Temos que avançar e pra isso temos que usar nossos espaços de atuações sociais e políticas em prol de discutir questões inerentes a sociedade Brasileira, como a importância do negro na formação desta sociedade, assim como conhecer a História e Cultura Africana.
Elaine Marcelina
Oi, professora. Tomei a liberdade de citar o seu depoimento no meu artigo. Espero que não se importe. Um abraço. Márcia.