Homossexualidade: ódio ou preconceito?

O candidato Levy Fidelix (PRTB) provocou revolta nas redes sociais ao ser questionado sobre suas propostas para a população LGBT. Durante o terceiro bloco do debate da TV Record, ontem, Fidelix defendeu “tratamento psicológico” a gays e declarou que não quer os seus votos. “Dois iguais não fazem filho. Me desculpe, mas aparelho excretor não reproduz. Tem candidato que não assume isso com medo de perder voto. Prefiro não ter esses votos, mas ser pai, avô que instrua seu neto. Não vou estimular a união homoafetiva. Se está na lei, que fique como está”, afirmou. Suas ideias têm origem em um passado remoto e infelizmente ainda fazem parte do pensamento de parte da sociedade. Vamos à História:

O antropólogo Luis Mott nos dá uma visão de como a homossexualidade foi vista ao longo dos séculos: “Há mais de quatro mil anos, nas origens das civilizações que serviram de matriz à cultura ocidental e à nossa sociedade luso-brasileira, a homossexualidade vem sendo  rotulada por diversos nomes atrozes que refletem o alto grau de reprovação associado a esta performance erótica: abominação, crime contra a natureza, pecado nefando, descaração, desvio, doença, frescura, etc. E os homossexuais foram condenados a diferentes penas de morte: apedrejados, segundo a Lei Judaica; decapitados, por ordem do Imperador  Constantino a partir de 342 d.C.; enforcados, afogados ou queimados nas fogueiras da Inquisição, durante a Idade Média e até os tempos modernos”.

No Brasil, o primeiro crime homofóbico de que se tem notícia, segundo Mott, ocorreu em 1612, no Maranhão. Os Tupinambá, a etnia mais numerosa que ocupava o litoral do Maranhão a Santa Catarina,  na  visão dos missionários e cronistas portugueses e franceses, os índios apresentavam sexualidade tão devassa que só podiam mesmo ser escravos do Diabo: nus, polígamos, incestuosos, sodomitas. Diz Gabriel Soares de Souza em 1587: “São os Tupi­nambá tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam. Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestialidade por proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.”  Tibira foi o termo genérico tupinambá alusivo à persona homoerótica que teve maior difusão nos dois primeiros séculos de colonização. 

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Foi portanto com vistas a  “purificar a terra de suas maldades” que os frades determinaram a procura e captura dos tibiras maranhenses, conseguindo  prender um infeliz que fugira para o mato. A execução foi terrível. Levaram-no para uma muralha do forte de São Luís, junto ao mar, amarraram-no pela cintura à boca do canhão, e a bala “dividiu o corpo em duas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada.”

Nos tempos das visitações da Inquisição no Brasil, os processos de sodomia masculina, por exemplo, revelavam amantes que “andavam ombro a ombro”, abraçavam-se, trocavam presentes, e penteavam-se os cabelos mutuamente à vista de vizinhos, desafiando a Inquisição, sua grande inimiga. É conhecido o caso de certo João de Carvalho, um rapaz que ensinava latim e linguagem para os filhos dos moradores de uma freguesia em São João Del Rei, no século XVIII. Apaixonado por um dos seus alunos, lhe mandava bilhetes nos quais dizia: “Luiz, meu amorzinho, minha vidinha! Vinde para o bananal que eu lá vou com a garrafinha de aguardente”.

Os rituais de namoro entre homossexuais não se distinguiam dos demais, conta Mary del Priore. “Luís Delgado, estanqueiro de fumo em Salvador da Bahia, se tornou conhecido por demonstrar publicamente a paixão que nutria por seus sucessivos amantes, beijando-os na frente de outras pessoas, regalando-os com presentes de fino trato, vestindo-os com “galas”, ou seja, roupas e sapatos caros, andando juntos debaixo de um grande guarda-sol, para escândalo e escárnio de seus inimigos. Outro, Luis da Costa, o tabaqueiro costumava pegar na mão, dizendo-lhe que era afeiçoado a ele e o queria muito gentil-homem e tinha uma cara como uma dona”.

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Em meados do século XIX,  diz a historiadora, a medicina legal começava a desenhar o perfil do “antifísico”: um tipo humano relacionado a determinadas formas de animalidade, dentre as quais as relações homoeróticas. Imediatamente a seguir, a homossexualidade, associada a uma herança mórbida tornava-se alvo de estudos clínicos. O homossexual não era mais um pecador, mas um doente, a quem era preciso tratar. Tudo podia começar com uma “amigação” num colégio para rapazes. Aí, alguns tipos dengosos, quase sinhazinhas, na descrição de Gilberto Freyre, faziam-se notar pelos trajes de veludo, pelas sobrecasacas a Luis XV com rendas nos punhos, pelas golas de pelúcia dos casacos, muita brilhantina no cabelo, o extrato excessivo no lenço, adereços que os tornavam objeto de escárnio por parte dos colegas.

No século XX, as coisas não mudariam muito e os homossexuais tiveram que viver seus amores nas sombras, pelo menos até os anos 60. Não faltaram tratamentos médico-pedagógicos que eram sugeridos, junto com a religião, como remédios para a “inversão sexual”. O transplante de testículos, por exemplo, era uma destas receitas “científicas” para o “problema”. Outra, era a convulsoterapia, ou injeção de insulina para “curar” o que se considerava, então, um comportamento esquizofrênico. Outra, ainda, o confinamento em hospícios psiquiátricos. A despeito do sofrimento e incompreensão a que eram submetidos, homossexuais buscaram espaço para seus relacionamentos, diz Mary del Priore.

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Entre a década de 30 e a de 60, destaca James Green, houve alterações significativas na composição e no desenvolvimento das subculturas homossexuais, em grandes centros como Rio e São Paulo, centros que acabavam por atrair migrantes homossexuais de todo o Brasil. A pressão que sofriam em suas localidades de origem, para arrumar namorada ou casar, levavam muitos homossexuais a profundas crises familiares ou de saúde, obrigando-os a partir rumo à cidade grande. Vir para os centros em busca de trabalho, mas, sobretudo, para escapar à pressão familiar, era a meta para muitos.Nestes anos, multiplicaram-se as opções de vida noturna, com bares e pontos de encontros exclusivos.

Atualmente, apesar de tantas mudanças comportamentais, os homossexuais ainda enfrentam preconceito e violência. De acordo com Luis Mott, “hoje, no Brasil, a cada 26 horas um gay, travesti, transexual ou lésbica é brutalmente assassinado, vítima da homofobia – o ódio à homossexualidade, fazendo de nosso país o campeão mundial de crimes homofóbicos: mais de três mil assassinatos nas últimas três décadas”. Triste retrato de uma sociedade em que um candidato à presidência da República faz declarações como as de ontem…

-Márcia Pinna Raspanti.

caravaggio

“Bacco”, de Caravaggio.

3 Comentários

  1. Jorge Héreth
  2. Carlos Alberto Fernandes
  3. Windston Aquino

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