“Respeito ao professor” é coisa do passado?

Nesta semana, tivemos conhecimento de uma história chocante. Uma professora foi brutalmente agredida na escola, em Santa Catarina, ao cobrar um mínimo de disciplina de um adolescente. A agressão física deixou marcas no rosto na educadora, mas com certeza deixará também cicatrizes mais profundas. E sabemos que há muitos outros casos semelhantes. Afinal, nossas escolas estão se tornando campos de batalha: todos os dias há relatos de brigas entre alunos, violências de todos os tipos, abuso sexual, desrespeito aos professores e funcionários. E os professores convivem cotidianamente com tal realidade, sendo, muitas vezes, vítimas dessa violência. O poder público parece não se importar com a Educação, e algumas figuras públicas chegaram até a relativizar a agressão sofrida pela educadora.

Nem sempre foi assim, apesar do descaso histórico com a Educação no Brasil. Houve um tempo em que a ideia de “respeito ao professor” fazia sentido. “Atualmente, tal expressão vem de encontro ao cotidiano de milhares de nós que não encontra na sociedade, nos alunos e às vezes, entre os próprios pares, o respeito que nos é devido. O dia a dia dos professores tem sido infernal. São infinitas queixas sobre violências, grandes e pequenas, de toda a sorte. A intensidade do sofrimento de professores e profissionais da educação impressiona, mas, disso ninguém fala”, nos lembra Mary del Priore.

A educação sempre foi negligenciada no Brasil. Somente em 1808, com a vinda da família real, é que foram estabelecidas as primeiras instituições de ensino superior, as escolas médicas na Bahia e no Rio de Janeiro. Em 1912, surgiria a primeira universidade brasileira, no Estado do Paraná, que durou somente três anos. Apenas em 1920, foi criada a Universidade do Rio de Janeiro, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quanto ao ensino básico, o cenário não era muito diferente: em 1827, foi lançada a lei que determinava o estabelecimento das “escolas de primeiras letras” nas cidades, vilas e povoados de todo o Império. Mas a legislação ficou bem distante da realidade, sendo fundadas algumas poucas instituições.

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As primeiras escolas normais para formação de docentes foram criadas, em meados do século XIX, para tentar minimizar os problemas relativos à educação no Brasil. Melhorar a formação dos futuros mestres era uma necessidade. Ambos os sexos podiam frequentar estas instituições, mas moças e rapazes deveriam estudar em classes ou mesmo escolas separadas. A atividade docente havia sido iniciada por homens, ainda nos tempos coloniais, principalmente pelos jesuítas. “Agora, no entanto, as mulheres eram também necessárias e as classes de meninas deveriam ser regidas por ‘senhoras honestas’. Ao serem criadas as escolas normais, a pretensão era formar professores e professoras que pudessem atender a um esperado aumento na demanda escolar. Mas tal objetivo não foi alcançado exatamente como se imaginava: pouco a pouco, os relatórios iam indicando que, curiosamente, as escolas normais estavam recebendo e formando mais mulheres que homens”, conta Guacira Lopes Louro, em “Mulheres na sala de aula” (História das Mulheres no Brasil, Ed. Contexto/Unesp).

Havia certo preconceito em relação às mulheres professoras, no início do século passado. Afinal, lugar de mulher era em casa, cuidando dos filhos e do marido. Se ela não estava fazendo isso, era porque havia falhado, de alguma forma, na missão de ser mulher. O magistério era visto como uma atividade em que as mulheres poderiam exercer suas qualidades “naturais”, cuidando, educando, sendo amorosas ou severas, quando assim fosse necessário. Não tinham sua família, porém, poderiam ser úteis, tomando conta dos filhos de outras. Segundo a autora, houve uma “feminização do magistério”, fenômeno também observado em outros países – fato provavelmente vinculado ao processo de urbanização e industrialização que ampliava as oportunidades de trabalho para os homens.

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Mesmo enfrentando resistência e sendo alvo de preconceitos, as mulheres acabaram por dominar o magistério, tornando-se maioria nas escolas normais e ocupando cargos de diretoria. A figura da professora passou a ser respeitada: pais e mães exigiam que seus filhos tratassem aquelas mulheres com toda a consideração que elas mereciam. Minha mãe foi professora em escola pública nos anos 60 e sempre nos conta que os pais, no caso de qualquer indisciplina dos filhos, iam envergonhados pedir desculpas a ela e faziam a criança se desculpar. Hoje, mesmos nas escolas particulares, a família raramente apoia o educador.

            O que aconteceu nas últimas décadas? Homens e mulheres que se dedicam à educação passaram a ser tratados com total desprezo pelos alunos, governantes, pais e pela sociedade em geral. Por que não muito de nós não ficam indignados ao ver o rosto desfigurado de uma professora?

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.

Reprodução/Facebook/Marcia Friggi.

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