HOMENAGEM AO GOLEIRO BARBOSA

Moacyr Barbosa (1921-2000) era o goleiro da seleção brasileira em 1950 – ano em que a Copa se realizou também no Brasil. Todo mundo sabe do resultado: perdemos para o Uruguai, por 2 x 1, em uma final jogada no Maracanã. Infelizmente, Barbosa foi escolhido como o grande culpado pela derrota e sofreu a vida toda por carregar esta triste marca. Confira um trecho do depoimento dado por ele ao jornalista Roberto Muylaert, que optou por reproduzir o relato como um fluxo, um desabafo:

“Recebi uma pancada não física, mas moral, no jogo final da Copa, já que eu entrara no gramado duas horas atrás como campeão mundial, e agora saía como vice-campeão, ou seja, nada, nem dinheiro, nem política, nem homenagem, nem carro, nem terno sob medida para mim da loja Adonis, nem carinho do povo, nem conforto dos dirigentes, paparico da imprensa, nada, por enquanto se tratava apenas de jogo importante perdido, mas algo me dizia, meu coração apertado prenunciava que coisa seria mais séria, que aquela partida final se transformaria em tragédia grega com o passar dos anos, ficando os acontecimentos cada vez mais densos, mais sérios e graves com o decorrer do tempo, sendo que para mim estava reservada uma condenação perpétua, como de fato foi, virei apenas testemunha, ainda dentro do campo, das comemorações, da volta olímpica dos uruguaios, ele gigantescos, em estado de graça, nós mirrados e acachapados, eles de cabeça erguida, como seres superiores a quem nenhum desafio poderia abater, com aquela expressão de campeões do mundo na face, olhos redondos arregalados ainda pelo susto da vitória impossível, alucinados, irradiando energia, e desta vez sim, olhando direto no olho da multidão das gerais e das arquibancadas, para os 200 mil  torcedores (incluindo os 280 uruguaios que tinham estertores de felicidade e se retorciam de emoção no meio da multidão serena e pacífica), ninguém arredava pé, na espera de que o destino desse outro desfecho ao que estava definido, que já era história, recém-escrita mas irreversível, um drama que transcendia em muito  uma simples partida de futebol, uma página virada sem consolo, e agora o povo cordial retoma as forças e aplaude os uruguaios, com vontade, alguns ainda chorando, mas batendo palma com vibração ao mesmo tempo, numa demonstração de espírito esportivo de tal dimensão que só pode ser explicado pelo fato de que ninguém ali presente tinha (nem poderia ter) perspectiva histórica capaz de avaliar em toda a sua extensão o gesto de desprendimento daquele momento (…) um gesto coletivo que fez Obdulio (capitão uruguaio) ficar ligado com muito amor ao povo brasileiro, até o fim da vida, só então virei as costas, nelas gravado o meu número 1, usado pela primeira vez, desci as escadas resoluto, de 2 em 2 degraus, enquanto lá embaixo, no vestiário, o único homem que apareceu foi o presidente em exercício da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), Mário Pólo, que, elegante, entrou e cumprimentou todos os jogadores, que soluçavam, o resto não apareceu, nem diretor, nem candidato a presidente da República, nem nada, sumiu a imprensa, imagine só, então descobri na própria pele que aquela derrota era mesmo mais nossa, dos jogadores e suas famílias, que de qualquer um, enquanto a alegria da vitória deveria ter sido compartilhada com centenas de milhares de pessoas, mas após o fracasso ninguém se interessava mais por nós, a não ser na saída do Maracanã, onde alguns brutamontes procuravam achar o Bigode, mesmo assim, no final todo o time chegou a São Januário ileso e lá estavam à espera nossas esposas, formando um coral de choro, um velório completo, e o que elas mais lastimavam, às lágrimas, era o tempo que ficamos longe delas, concentrados, sacrificando a vida em família, e quando tudo chegou ao fim não ganhamos nada, isso nos fez sentir, nos fez lembrar que, mesmo na família, vice-campeão do mundo no Brasil não vale nada, sumimos rápido de lá para acabar logo com aquele mal-estar (…)”.

Ver mais  "Um horizonte de chifres", por Nélson Rodrigues

(depoimento extraído de “Brasil: a história contada por quem viu”, org. Jorge Caldeira, Editora Mameluco).

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 Barbosa: o goleiro da seleção de 50 experimentou a solidão da derrota.

 

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  1. claudio nogueira

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