HISTÓRIA E MEMÓRIA AFRODESCENDENTE

Por Natania Nogueira.

O negro no Brasil é geralmente relacionado à escravidão. Ela, por sua vez, representa um estigma, mas é uma memória que não pode ser negada, nem esquecida. Não é esquecendo o passado que construímos o futuro, mas lembrando e preservando.

Por mais de 300 anos, negros africanos foram trazidos para a América, há muito o que se estudar e pesquisar sobre sua presença, sua cultura suas relações sociais, enfim, sobre os vários aspectos que envolveram a sociedade escravista, que caracterizou o Brasil até o final do século XIX.

A história do negro no Brasil, entretanto, não termina com a abolição. Ela apenas inaugura uma nova etapa, marcada pelo trabalho, pelo preconceito e pela pobreza, mas também por práticas culturais que ultrapassam as barreiras étnicas. Aspectos da vida cotidiana, estratégias de sobrevivência e formas de resistência, em uma sociedade marcada pelo preconceito. A memória e a história do negro após a abolição talvez sejam um dos campos mais férteis para pesquisa da atualidade e, certamente, ainda pouco explorado.

Nesta semana, tive a satisfação de receber em mãos, por intermédio de uma amiga, um livro que aborda justamente isso: uma história do negro e sua inserção na sociedade após o fim da escravidão. O livro, CUTUBAS: clube de negros, território de bambas – Memória ePatrimônio afrodescendente de Leopoldina/MG, traz a história de um clube socialfundado por negros no ano de 1925. Um clube recreativo, frequentando e mantido por negros, por descendentes diretos de ex-escravos. Ele traz à tona a história dos afrodescendentes da minha cidade, cujo município chegou a ter, durante o Império, o segundo plante de escravos de Minas Gerais.

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De autoria da pesquisadora Margareth Cordeiro Franklim, ele revela a memória do negro em Leopoldina a partir de pesquisas em documentosassim como resgata essa memória a partir da história oral. Entrevistas com frequentadores do clube trazem a luz práticas sociais e aspectos da cultura popular que não constam dos livros sobre a história local, que analisam muito mais a vida da elite e os desdobramentos da política e economia e pouco espaço (ou nenhum) reservam à gente simples,em especial ao afrodescendente.

É surpreendente a quantidade de informação que se pode obter a partir de um objeto tão singular. Um exemplo de como podemos preservar a memória e preservar a cultura. E falamos aqui de cultura material e imaterial, que marca a presença, a ação a importância afrodescendente na nossa sociedade.

O livro conta parte da história do clube Cutubas, de Leopoldina, mas poderia ser a história do Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora, o mais antigo clube social negro  do Brasil, fundado em 1871, em Porto Alegre(RS); ou do Clube Beneficente Cultural e Recreativo Jundiaiense 28 de Setembro,  de Jundiaí (SP), fundado por negros em 1897; ou mesmo do o Clube 13 de Maio dos Homens Pretos, fundado em São Paulo (SP) em 1902.

Os clubes fundados por negroseram instituições informais presentes em várias cidades, em diversas regiões do Brasil, e remontam à segunda metade do século XIX. Esses clubes representam uma memória antiga, um patrimônio cultural que testemunha e atesta uma parte da nossa história que ainda não chegou aos livros didáticos.  São lugares de resistência e identidade negra que precisam ser nomeadosreconhecidos em seu pleno direito como patrimônio histórico e cultural.

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Uma inciativa de grande valor, uma pesquisa que enriquece não apenas a história local, mas a História do Brasil. É também uma forma de alcançar um público maior, de sensibilizar a comunidade e as autoridades para a importância da cultura e práticas afrodescendentes, que são um patrimônio valioso e que ainda não teve seu devido reconhecimento.

 

Sugestões de leitura:

DOMINGOS, Petrônio, Os clubes e bailes blacks de São Paulo no pós-abolição: notas de pesquisa. Anais do XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009. Disponível em: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.1375.pdf, acesso em 06 de ago. de 2014.

FELIX, Rita de Cássia Souza. Damas de Ébano nos clubes sociais negros: trancinhas e batom Ebano ladies in Black Social Clubs: short braidsandlipstick. Revista Comunicações, UNIMEP, Piracicaba, n. 1, p. 39-53 jan.-jun. 2014. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/comunicacao/article/viewFile/2051/1257, acesso em 06 de ago. de 2014.

FRNAKLIM, Margareth Cordeiro. CUTUBAS: clube de negros, território de bambas – Memória e Patrimônio afrodescendente de Leopoldina/MG.- Belo Horizonte: UtopikaEditoral, 2014.

TANNO, Janete Leiko. Clubes recreativos em cidades das regiões sudeste e sul: identidade, sociabilidade e lazer (1889-1945), UNESP – FCLAs – CEDAP, v.7, n.1, p. 328-347, jun. 2011. Disponível em: http://pem.assis.unesp.br/index.php/pem/article/viewFile/223/223, acesso em 06 de ago. de 2014.

curubas (1)

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