Hilde Weber: a presença feminina na charge política do Brasil

Por Natania Nogueira.

Um dos grandes nomes da charge política no Brasil, no século XX, foi uma mulher, a alemã Hilde Weber. Formada pela Escola de Artes Gráficas de Hamburgo, com 17 anos, começa a desenhar para os jornais Hamburger Anzeiger e Hamburger Fremdenblatt. Hilde foi um dos poucos profissionais da época – entre homens e mulheres – com formação específica na área. Em 1933, veio para o Brasil para encontrar o pai, Edmund Weber, oficial aviador,  que havia mudado para cá após a I Guerra Mundial. Tinha 20 anos de idade.

Especializou-se em charge política e contribuiu para revistas e jornais no Brasil durante muitos anos. Começou trabalhado como chargista para os Diários Associados, ilustrando as reportagens de Rubem Braga. Ainda na década de 1930 Hilde participou de um grupo de artistas paulistas denominados “santelenistas”. Hilde também se especializou, mais tarde, na pintura de azulejos, geralmente usando temas nacionais e populares.   Na década de 40, participou de grupos de artistas e intelectuais com Mário Pedrosa, Sérgio Milliet, Alfredo Volpi, Lívio Abramo, Zanini, Rebolo e Lasar Segall.

 Na década de 50, Hilde naturalizou-se brasileira e mudou-se para o Rio de Janeiro. Trabalhou como chargista na Tribuna da Imprensa até 1962. Mudou-se para São Paulo e passou a colaborar para  o jornal O Estado de S. Paulo, onde permaneceu até depois de se aposentar. Em 1960, recebeu o prêmio Seção América Latina do Concurso de Caricaturas do World Newspaper Forum, pelas melhores charges internacionais.

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Sua infância foi marcada pela I Guerra Mundial e pela separação dos pais. Criada por um casal de amigos da família e pela tia Claire, não teve uma vida de luxo, não foi protegida, não teve uma vida familiar estável. Filha de pais separados possivelmente sofreu discriminação e teve que buscar bem cedo sua independência. Teve como modelo feminino a tia, que era jornalista, artista plástica e crítica literária. Incentivada pela tia Hilde dedicou-se bem cedo ao jornalismo e, aos 17 anos já publicava em revistas e jornais. Aos 20 anos de idade já possuía uma independência e vivência de dar inveja a muitos homens adultos de sua época (e mesmo da atualidade).

Versátil, Hilde era muito habilidosa com aquarela. Ficou conhecida pelas ilustrações que fez para revistas. Entre os anos de 1933 e 1934 desenhou capas para a revista A Cigarra, revista publicada na cidade de São Paulo entre 1914 e 1975, fundada por Gelásio Pimenta e em 1924 passou a fazer parte dos Diários Associados, que também publicava o Cruzeiro, onde Hilde também trabalhou.

Mas foi na charge política que ela se destacou tornando-se uma referência na imprensa nacional. Seus desenhos faziam uma leitura crítica da política brasileira e podem ser considerados um retrato bem humorado de fatos importantes que nortearam a história do Brasil até o final da década de 1980.

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Hilde começou a produzir caricaturas políticas para o Partido Constitucionalista, na campanha contra Vargas. Até então, não tinha nenhum conhecimento sobre política apenas seguia as instruções do partido que lhe encomendava os desenhos, a maioria deles de Getúlio Vargas. Mas foi na Tribuna da Imprensa, com Carlos Lacerda que ela passa a se destacar neste tipo de produção. Seu alvo constante, claro, era novamente Vargas.

Hilde  Weber pode ser considerada uma precursora do jornalismo ilustrado no Brasil. Suas charges não eram apenas críticas, mas, também, relatos sobre acontecimentos políticos da época. O jornalismo ilustrado ou desenhado antecedeu o jornalismo em quadrinhos. O jornalismo em quadrinhos surgiu como uma forma diferente de comunicação.  Ele ganhou destaque em 1992, quando Art Spiegelman recebeu o prêmio Pulitzer por sua obra Maus, o livro ficou conhecido como uma das primeiras experiências de reportagem em quadrinhos. Mas foi em 1996, com a publicação de Palestina, que Joe Sacco criou a expressão “Jornalismo em Quadrinhos” (JQ).

O Jornalismo ilustrado, o foto jornalismo e o jornalismo em quadrinhos exigem do artista uma percepção ampla da realidade e o compromisso com a veracidade da informação a ser divulgada pelo veículo de comunicação a ser utilizado. Hilde possuía esta percepção. A chargista considerava-se acima de tudo uma jornalista e era criteriosa na produção de seus desenhos que considerava um trabalho sério.

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Se uma das características de sua arte era a estabilidade, esta não foi presente na sua vida pessoal. Casou-se três vezes, teve um filho, mas não conseguia permanecer casada. Primava, acima de tudo, pela sua independência, nunca conseguiu viver à sombra de um homem ou submetida a ele. Uma mulher atípica em sua época e que marcou a história da caricatura e da charge no Brasil. Hilde passou por duas guerras mundiais. Sendo alemã é de acreditar que, mesmo não estando em sua nação de origem, tenha colhido frutos amargos do nazismo e da II Guerra Mundial. De temperamento reservado era, à sua maneira, uma desbravadora. Viajava sozinha, conhecia lugares novos e exóticos, não se intimidava pela presença majoritariamente masculina no jornalismo.

Na sua profissão, recebeu o reconhecimento e o respeito de seus pares, e não teve muitas dificuldades em se firmar na carreira por pertencer ao gênero feminino. Em entrevista afirmou que ser mulher nunca lhe atrapalhou. “Muitas vezes, enquanto os jornalistas eram impedidos de circular nos plenários da Câmara e do Senado, ainda na velha Capital, eu não era molestada: simplesmente me sentava ao lado dos políticos e os desenhava.”

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Vargas e Lourival Fontes, chefe da censura do Estado Novo, nomeado para a Casa Civil em 1952.

WEBER, Hilde. O Brasil em Charges (1950 – 1985). São Paulo: Circo Editorial, 1986, p. 11.

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