Especial TCC – Quem veio primeiro: O ovo ou a galinha?

Por Iuri Andréas Reblin.
Você provavelmente já ouviu essa pergunta. Pode ser que você não a tenha levado a sério ou que a tenha achado “óbvia” ou “infame” e pode ser até que já tenha tentado responde-la à primeira vista: ah, é o ovo! Mas a coisa não é tão simples assim. Na verdade, essa pergunta é um dos grandes dilemas de casualidade sobre o qual filósofos e cientistas já se ocuparam ao longo da história e que remete à questão da origem do universo. Ela não tem resposta na verdade (ou, ao menos, não uma resposta simples), pois ela expressa um paradoxo (em termos simples, um paradoxo é a coexistência de contrários que se autoexcluem): para ter existido uma galinha é necessário que tenha existido um ovo, para ter existido um ovo (dentro da dinâmica desta pergunta) é necessário que tenha existido uma galinha. Nessa direção, como pode um ter vindo antes do outro? Estamos aqui diante de um problema de pesquisa.
Toda pesquisa e toda reflexão sistemática acadêmica ou científica precisa de um problema para acontecer. Sem problema, não há pesquisa. Mais ainda, sem problema não há construção de conhecimento. Trata-se daquela máxima que nós só nos lembramos da importância do ar na nossa respiração quanto estamos sofrendo com a falta dele. Isto é, o pensamento, a construção de conhecimentos se dá mediante situações-problema. Em outras palavras, o pensamento (e o conhecimento) emerge de nossa necessidade de se compreender no mundo para nele melhor viver. Se tudo está “em paz” e nada está nos incomodando, se não há curiosidade sobre nenhum tema, se não há um problema, não há pesquisa, investigação, novas descobertas, construção de conhecimento. Portanto, precisamos de um problema!
Quando falamos em problema, geralmente, pensamos em uma dificuldade, um aborrecimento, um dilema, um incômodo (e, às vezes, até em uma tragédia) que são ilustrados em alimentos difíceis de descascar ou digerir: abacaxi, pepino; ou ainda em bichinhos, como o pobre do grilo, que ficam atazanando nossos ouvidos. Na ciência, um problema não é uma coisa ruim (embora possa ser difícil de descascar ou possa atazanar nossas cabeças): um problema é um enigma, um mistério, um quebra-cabeça a ser resolvido. E o mais fascinante no processo é quando você começa a investigação e vê as peças se encaixando e novas descobertas se configurando diante de seus olhos. Agora, para isso acontecer é necessário que o tema que você escolheu para pesquisar no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) seja transformado em um problema, seja problematizado. E qual é a forma mais simples, digamos assim, de se problematizar algo? É fazer perguntas!
Um problema de pesquisa é sempre e melhor elaborado na forma de uma pergunta, pois a pergunta é a forma mais direta e objetiva de se problematizar um tema. Antônio Carlos Gil, um dos autores mais referidos em Metodologia da Pesquisa, ilustra isso da seguinte maneira: “Se alguém disser que vai pesquisar o problema do divórcio, pouco estará dizendo. Mas se propuser: ‘que fatores provocam o divórcio?’ ou ‘quais as características da pessoa que se divorcia?’, estará efetivamente propondo problemas de pesquisa”. Portanto, um problema é sempre uma pergunta (sim, uma só, pois, mais perguntas = mais problemas = mais pesquisa = mais TCCs, e você só quer fazer um, não é?). E as questões mais recorrentes nesta etapa da pesquisa científica são: mas como elaborar um problema?
O passo a passo para resolvermos nosso problema de encontrar um problema (e mais importante) um problema que seja passível de solução é o seguinte: Vamos supor que você enquanto historiador ou historiadora escolheu como assunto, tema de pesquisa, por exemplo, a história da comunidade indígena que vive no município de São Leopoldo. Você tem algumas informações gerais acerca da comunidade (conhecimento prévio) que você leu em algum lugar, na Internet, na escola, no jornal, assistiu uma reportagem de TV. O seu interesse pelo tema, faz você a cavoucar um pouquinho mais de informações em artigos, livros ou mesmo sites para saber o que já se discutiu sobre o tema que você escolheu. Assim você já sabe, por exemplo, que o nome do povo é Kaigang, que eles viveram durante muito tempo às margens da BR-116, etc., e essas informações adquiridas provocam uma série de outras curiosidades ou outros interesses, estímulos para a pesquisa.
A partir dessas informações, a sugestão é formular várias questões (uma tempestade de ideias, ou melhor, de perguntas) relacionadas ao tema na perspectiva de sua área de pesquisa, a saber, no nosso exemplo proposto, história: qual é a história da comunidade indígena? Desde quando ela existe? Quais foram as tensões e os conflitos desencadeados durante o processo de colonização e o contato com os imigrantes alemães? Quais são seus principais aspectos culturais da tribo? Qual é a sua relação com a história do município? De que forma o município preserva a história da tribo? De que forma a própria tribo mantém viva a sua memória, a sua trajetória histórica? Como se registra essa história? Enfim, diversas perguntas podem ser formuladas, sempre na seguinte perspectiva: O que eu quero saber? O que eu tenho curiosidade? O que me interessa? É isso mesmo? Como eu posso ser mais específico? O que exatamente eu quero saber? Cada nova pergunta formulada vai aproximar você mais do seu foco de interesse. Depois de você ter escrito uma série de perguntas, bem na dinâmica da “tempestade de ideias”, você pode olhar para todas elas e buscar então formular uma única pergunta que traduza, de algum modo, de maneira clara, direta e objetiva (sem excessivas frases subordinadas) aquilo que você exatamente gostaria de pesquisar. E é nesse exercício que surge o seu problema de pesquisa.
Portanto, em linhas gerais, o exercício é o seguinte:
·         Escolha um tema que de seu interesse e com o qual você tenha certa familiaridade;
·         Busque mais informações acerca do tema, no sentido de buscar o foco do que realmente você quer;
·         Faça uma tempestade de perguntas, ao menos, umas cinco a dez;
·        Dessas perguntas, ou selecione a que mais se aproxima do que você realmente quer ou, a partir das perguntas que pipocaram na tempestade, elabore refletidamente uma pergunta que traduza a intenção de fundo por trás de todos os questionamentos.
Pronto, a partir daí já é possível afirmar que você já tem o seu problema de pesquisa! Agora, como saber se a pergunta que você formulou exige mesmo uma investigação, isto é, se ela é mesmo um problema de pesquisa, isso nós veremos no próximo post. Até lá!
Prof. Dr. Iuri Andréas Reblin
Autor de:
“Outros cheiros, outros sabores:
o pensamento teológico de Rubem Alves”
(São Leopoldo: Oikos, 2009. 223p.)
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2 Comentários

  1. José Ventura

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