Escola: um lugar seguro para nossos filhos?

Nesta semana, um fato verdadeiramente chocante foi noticiado pela imprensa: uma garota de 12 anos foi violentada por três meninos, um ou dois anos mais velhos que ela, em um banheiro de uma escola pública em São Paulo. É um acontecimento terrível, que nos faz questionar em que espécie de sociedade vivemos. A escola, que deveria ser um local seguro, se tornou um ambiente hostil e violento. Já fomos surpreendidos, no ínicio do ano, com relatos de estupro e assédio em algumas das mais tradicionais universidades do país, agora percebemos que isso pode ocorrer também no ensino médio e fundamental.

Já falamos, muitas vezes, aqui no blog sobre o estupro e suas causas mais profundas. Mas, reflexões e análises não satisfazem o nosso horror: o que levaria garotos tão jovens a cometer tal atrocidade com uma colega de turma? Para muitos a resposta é simples, os estupradores são marginais, bandidos, doentes, etc. Em parte, têm razão. Não podemos eximir os autores do crime de sua culpa. Tomaram a decisão de violentar uma garota e ainda ameaçaram a vítima para que não denunciasse o ocorrido. É um crime e deve ser punido de acordo com a lei.

Entretanto, esse tipo de resposta não é suficiente para explicar esse e tantos outros atos violentos que são cometidos contra as mulheres (e nem contra os homens). Ficamos mais tranquilos quando pensamos: basta prender e punir os maus e tudo se resolve. Mas, não é tão simples assim. Em um país em que são registrados mais de 50 mil estupros por ano (só podemos imaginar o número de ocorrências não relatadas), não dá para dizer que são casos isolados, cometidos por alguns poucos “maníacos”.

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Infelizmente, vivemos em uma cultura que desvaloriza a mulher, que a inferioriza, humilha e constrange. As meninas são educadas para não saírem do padrão pré-estabelecido, nada de roupas e comportamentos ousados, é melhor ficar no seu lugar. E os meninos? Será que são ensinados a respeitarem as mulheres? Ou repetem o comportamento dos adultos? Será que não são incentivados a aproveitar as “oportunidades”? “Se a menina dá mole, não seja frouxo, dê o que ela quer” – não é essa a mensagem que é passada aos garotos?  Os homens devem ser caçadores e, nesse contexto, as mulheres são presas a serem abatidas.

O homem aprende que a mulher vive para servi-lo, que deve se submeter às suas vontades. E acredita que, para ser respeitada, a mulher deve fazer por merecer, deve ser “direita”. Como nos tempos coloniais, quando quem seduzisse ou violentasse uma donzela, de boa família, estaria sujeito punições. Agora, escravas, órfãs, pobres, índias ou putas podiam ser usadas à vontade.  As “moças de família” também existiam para servir o marido – não sexualmente, mas como parideira, dona de casa e esposa. E o homem precisava provar sua virilidade a todo momento, sendo agressivo, inclusive sexualmente.

Será que em pleno século XXI continuamos presos a essa mentalidade? Será que os homens ainda acreditam que nossa função é agradá-los? Nossos corpos são vistos como objetos criados para satisfazer suas vontades? O estupro, como inúmeros estudiosos já disseram, tem menos a ver com sexo do que com poder, dominação e raiva. O estuprador humilha e rebaixa a sua vítima como uma “coisa” a ser usada e descartada, nesse momento ela é desprovida de qualquer humanidade.

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E foi isso que esses meninos fizeram com uma colega de classe. Não a viram como um ser humano igual a eles, digno de respeito e consideração. Usaram-na para provar a sua “masculinidade”, seu poder sobre alguém mais fraco. Ignoraram quando ela disse NÃO, quando ela tentou se defender ou lutar. A sua vontade era irrelevante naquele momento. Talvez tenham achado divertido ver a sua impotência diante da superioridade física deles. Não sabemos exatamente o que os levou a isso.

O que devemos fazer para tornar a escola (e a sociedade, em geral) mais segura para nossas crianças? Mandar prender os marginais? Isso apenas ataca parte do problema. Mas, se não houver uma mundança de mentalidade, estaremos enxugando gelo, como se diz. Se por um lado cobramos leis mais duras, por outro, reproduzimos o caldo cultural tóxico que nos sufoca. Em uma sociedade em que a violência está banalizada, não ensinamos as crianças a lidar com o “não”, assim elas simplesmente não aceitam ser contrariadas. O resultado tem sido desastroso.

Enquanto a educação não for focada na valorização do ser humano, independente do sexo, as escolas, os parques, as ruas e até as casas não serão seguros. E continuaremos a ler notícias tristes como essas e a nos enganar achando que as “nossas” crianças estão a salvo…

– Texto de Márcia Pinna Raspanti.

Edvard Munch-Nu

“Nu”, de Edvard Munch.

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One Response

  1. jocatrin

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