REAL ADULTÉRIO: no império brasileiro, o sexo fora do casamento começava no topo da pirâmide

Mary Del Priore, para revista Aventuras na História

 

No céu do século 19 brilhou uma estrela. A estrela do adultério. A história de amantes prolonga, sem dúvida, um movimento que existia há séculos. A diferença é que a simples relação de dominação – como, por exemplo, a que houve entre senhor e escravas durante o período colonial – deu lugar a uma relação venal, que o cinismo do século tingiu com as cores da respeitabilidade. Por vezes, até apimentou com sentimentos. O exemplo vinha de cima.

O período abriu-se com a chegada da corte portuguesa ao Rio de Janeiro em 1801. Entre os membros da família real, Carlota Joaquina Teresa Caetana de Bourbon y Bourbon já vinha malfalada por viver na Quinta do Ramalhão, palácio distante do marido, dom João. À boca pequena murmurava-se sobre a rainha com o comandante das tropas navais britânicas, Sydney Smith. A ele, Carlota Joaquina ofereceu de presente uma espada e um anel de brilhantes. Temperamental e senhora de um projeto político pessoal – queria ser regente da Espanha –, a rainha teve, sim, amores. Todos encobertos pela capa da etiqueta e por cartas trocadas com o marido, nas quais, apesar de não viverem juntos, ele era chamado de “meu amor”.

A nora, recém-chegada de uma das mais sofisticadas cortes europeias, a Áustria, escreveu aos familiares, chocada com o comportamento de Carlota Joaquina: “Sua conduta é vergonhosa, e desgraçadamente já se percebem as consequências tristes nas filhas mais novas, que têm uma educação péssima e sabem aos 10 anos tanto como as outras que são casadas”.

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Os casos amorosos da rainha eram conhecidos, e o mais rumoroso deles resultou no assassinato a facadas – a mando da própria – da mulher de um funcionário do Banco do Brasil, sua rival. Enquanto isso, comentava-se a solidão de dom João VI, atenuada, dizem biógrafos, graças aos cuidados de seu valete de quarto.

O filho dom Pedro não escondeu seus casos. Tampouco se importava em ser discreto com a princesa Leopoldina, com quem se casou em 1817. Segundo biógrafos, seu apetite sexual era insaciável. Não conhecia limites nem diante da família nem diante do marido da desejada. Não importava a condição social: mucamas, estrangeiras, criadas ou damas da corte. O cônsul espanhol Delavat, em 1826, acusava-o de ser “variável em suas conexões com o belo sexo”. E não hesitava em manter relações com várias mulheres da mesma família, como fez com a dançarina Noemi Thierry e sua irmã. Com poucos meses de casado, já estava enamorado de Noemi. Costumava visitar a moça na companhia da esposa, na casa de seu camareiro, dom Pedro Cauper. Enquanto as filhas de Cauper entretinham Leopoldina, dom Pedro escapava para algum canto. Quando a esposa compreendeu a situação e queixou-se ao sogro, esse despachou Cauper e a família para Portugal. Noemi, grávida, foi removida com o marido, um oficial, para Pernambuco.

O mesmo Delavat dizia sobre dom Pedro que tinha ele “um objeto distinto para cada semana, nenhuma conseguiu fixar sua inclinação”. Isso até ir a São Paulo, em setembro de 1822. Lá encontrou Domitila de Castro Canto e Mello. Tinha dom Pedro 24 e Domitila 25 anos. Belíssima? Não, exatamente. Certo pendor para a gordura, três partos, cicatrizes, um rosto fino e comprido. Era mãe de três filhos e acusada de adultério. Tomara uma facada do marido, certa manhã em que voltava, às escondidas, para casa. O fato era conhecido em São Paulo e manchava o nome da família.

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Tinha início entre os dias 29 e 30 de agosto de 1822 uma aventura romanesca que marcaria a vida de dom Pedro. Esse affair extravasou a alcova e refletiu-se na vida política e familiar do príncipe, bem como na imagem que dele se fazia dentro e fora do país.

Passado um ano, a data do primeiro encontro foi registrada pelo próprio dom Pedro: “O dia 29 deste mês em que começaram nossas desgraças e desgostos em consequência de nos ajuntarmos pela primeira vez, então tão contentes, hoje, tão saudosos”. Em outra missiva fala do dia 30 como aquele em que “comecei a ter amizade com você”. Logo após tornar-se imperador, deixa de lado a discrição, transformando Titília numa “teúda e manteúda”, que é apresentada à corte e instalada em casa, o atual Museu do Primeiro Reinado, ao lado do Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Em novembro de 1822, dom Pedro felicitava Domitila por “estar pejada” e anuncia-se “disposto a sacrifícios” para honrar os compromissos de pai. Mas a criança nasceu morta. Em 1824, vem ao mundo Isabel Maria de Alcântara Brasileira, a “Belinha”. Em 12 de outubro de 1825, dom Pedro contempla a amante com o título de viscondessa, no mesmo ano em que nasce mais um filho do casal. Em 1826, no dia do imperial aniversário, ela tornou-se a Marquesa de Santos.

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As cartas para a amante são recheadas de suspiros e voluptuosidade: “Meu amor, meu tudo”, “meu amor, minha Titília”, “meu benzinho… vou aos seus pés”, rabiscava. E mais incisivo: “Forte gosto foi o de ontem à noite que tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer!! Que consolação!!!” E terminava “com votos de amor do coração deste seu amante constante e verdadeiro que se derrete de gosto quando… com mecê”. Ou mandava “um beijo para a minha coisa”; “abraços e beijos e fo…”  E depois, mortificado de ciúmes, perguntava “será possível que estimes mais a alguém do que a mim?” E assinava-se “seu Imperador”, “seu fogo foguinho”, “o Demonão”.


Por Mary Del Priore – Doutora em história social com pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, vencedora do Prêmio Jabuti e autora de Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil.

Dom Pedro I e Dona Leopoldina

D. Pedro I e Dona Leopoldina, por Julien Palliere, 1826 Foto:Reprodução

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  2. Nilson

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