Em defesa da honra: Euclides da Cunha e Dilermando de Assis

Era um domingo, dia de Nossa Senhora da Glória. Ouviram palmas à porta. Estavam todos reunidos à mesa do café. Dinorah (irmão de Dilermando) dirigiu-se à janela da sala. Quem seria, a essa hora?  “-É o doutor Euclides”, lançou o rapaz, dirigindo-se depois à porta que abria para o jardim.

Anos de disciplina e de treinamento militar deram a Dilermando elementos para agir de outra forma. Ele também tinha sua honra a preservar. Seu erro? Apaixonar-se por uma mulher casada. Amar de um amor insensato. Mas haveria de se defender com uma espécie de sentimento superior, frente à dignidade da desgraça. Calmo, dirigiu-se ao próprio quarto para fardar-se, pois estava em mangas de camisa. Acreditava numa conversa fria e cirúrgica, de homem para homem. Assumiria seus erros e ofereceria uma solução digna ao marido traído.

Dinorah se lembrava de que Doutor Euclides entrou com a mão no bolso e, uma vez na sala, puxou o revólver. Sempre chamando por Dilermando e anunciando que viera para “matar ou morrer”, entrou corredor adentro e deu um chute na porta do quarto onde se achava o mano. Disparou duas vezes. Dinorah se jogou contra ele, tentando imobilizá-lo. Embolaram. Depois, o jovem largou Doutor Euclides e recuou na direção do seu quarto, em busca de uma arma. Mais três tiros. De costas para o agressor, sentiu quando a bala entrou-lhe pelas costas e o sangue escorreu, quente, debaixo da camisa.

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Quem foi Dilermando de Assis? Pouco se sabe sobre este homem, que muito jovem, teve que matar para não morrer. Que foi desfigurado por uma violenta campanha numa imprensa ávida por manchetes sanguinolentas. E que morreu um pouco, junto com Euclides.  Ele pertencia a uma classe onde não tinham força moral os que não defendessem sua honra, custasse o que custasse. A defesa da sua, quase lhe custou à própria vida. Muito jovem, também morreu um pouco de amor. Apaixonou-se por Dona Saninha, ou Ana da Cunha, esposa de Euclides e quinze anos mais velha do que ele. A paixão  o levou a viver repetidos dramas e a mergulhar numa noite sem fim.

O patriarcalismo não era violento só com as mulheres. Com os homens também. Por um lado acusava-se a mulher de prostituta. E por outro, entre risos e chacotas, discutia-se o desempenho ineficiente do corno. Ela traia porque ele dormia demais…

Muito se tem escrito sobre a história das mulheres e do sofrimento feminino. Numa sociedade patriarcal, quantas não foram exploradas, violentadas, feridas. Mas nada ou muito pouco se fala sobre o sofrimento masculino. Na mesma sociedade, ele dói tanto quanto o feminino. Ou pior: nela, as lágrimas deles não correm, nada podendo revelar do que lhes vai ao coração. A dor é censurada. Eles têm que engolir. Esta também é a história de muitos homens que sofreram.

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“Matar para não morrer: o duelo entre Dilermando de Assis e Euclides da Cunha”, de Mary del Priore.

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Dona Saninha: amor trágico. 

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