Eleições: a representividade de negros e mulatos política

        Tão logo foi proclamada, a República lançou-se ao combate de tradições africanas. A capoeira, assim como, várias práticas religiosas tornaram-se, segundo o código penal de 1890, criminosas, enquanto a culinária dos antigos cativos era perseguida. Batuques, afoxés e candomblés foram colocados na ilegalidade. O entrudo, comemoração na qual os negros participavam nas festas de Momo começou a perder adeptos, substituído pelo carnaval em bailes de salão, com serpentina e confete, à moda veneziana.

          Enquanto se tentava enterrar a mestiçagem e a escravismo em nome do branqueamento da nação, brilhava no céu uma constelação de intelectuais mulatos e negros. Nomes como o de Machado de Assis, Trajano Margarido, Abdon Batista, Antonieta de Barros, Manuel Querino, Nina Rodrigues ou Mário de Andrade, entre tantos outros políticos, escritores, médicos, jornalistas e professores circulavam com indiscutíveis competências na cena cultural. Um deles recebeu elogios rasgados de um dos maiores jornalistas da época, o também mulato, João do Rio: o presidente Nilo Procópio Peçanha que assumiu após o falecimento de Afonso Pena, em 14 de junho de 1909, e governou até 15 de novembro de 1910.

            Não era do estilo do cronista louvar quem quer que fosse. Ao contrário, João do Rio era um crítico dos “tempos modernos” e das mudanças cosméticas que se operavam na então capital federal, o Rio de Janeiro. Ali, o governo construía avenidas, mas, não corrigia problemas básicos como saneamento, habitação e saúde. Embora fossem freqüentes artigos de encomenda, “Um grande estadista”, publicado em 1/12/1909, na Revista Ilustração Brasileira, tinha razão de ser. Nilo Peçanha é, ainda hoje, considerado um dos poucos bons presidentes que o Brasil jamais teve.

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“O público, viu-o trabalhar. Era de manhã à noite e era em cada departamento da administração esse mesmo trabalho. O segredo de sua política muito diversa da politiquice comezaina dos partidinhos era a consolidação interna do país”. Peçanha praticou uma política de rigorosa restrição de despesas públicas, salvando o Estado de uma crise financeira que durou 11 anos. Chamou o capital estrangeiro. Multiplicou ferrovias trazendo-as até os portos e reduziu fretes. Criou o ministério da agricultura e incentivou a agricultura familiar. Remodelou subúrbios com iluminação elétrica e meios de transporte cujo preço das passagens, reduziu. E dizia: “De política, como se entende geralmente, nada vos disse, porque dela não cogitei e a ela não servi”. Serviu ao Brasil, cravava João do Rio.

          As preocupações da época com o “embranquecimento da raça” não atingiram o sucesso político de Nilo, como não barraram, em setembro de 1931, um grupo de negros que criou uma das primeiras organizações de caráter nacional que reivindicava direitos sociais e políticos iguais para todos, independentemente da cor da pele. Era a Frente Negra Brasileira (FNB), transformada em 1936 no primeiro partido negro brasileiro. Rapidamente, os ideais da Frente se espalharam pelos estados, entre eles Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A entidade mantinha escolas noturnas, cursos profissionalizantes, uma milícia, com rígida disciplina militar para proteger os negros de abusos e agressões, salões de baile, o jornal oficial, A Voz da Raça, e cerca de 200 mil filiados. Absolutamente democrático, o partido abrigava de lideranças de esquerda, a integralistas ou a monarquistas. Em novembro de 1937, quando o então presidente Getúlio Vargas decretou o fim dos partidos, das eleições livres e também da Justiça Eleitoral, a FNB foi desgraçadamente dissolvida. Hoje, a mestiçagem é um fato: 43% da população é parda e bem representada no Congresso; 7,46% é negra, mas, onde estão seus representantes?

  • Texto de Mary del Priore.
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Jornal oficial da Frente Negra Brasileira.

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