Domitila: o lado desconhecido da Marquesa de Santos

Por Paulo Rezzutti.

Em meados da década de 1990, tive meu primeiro contato com Domitila de Castro Canto e Melo,a Marquesa de Santos (1797-1867). Estava no penúltimo semestre de Arquitetura e precisava estudar algum imóvel recém-restaurado no centro de São Paulo. O Solar da Marquesa, no Pátio do Colégio, era perfeito. Depois soube que ela havia morrido em São Paulo e que seu túmulo era um dos mais visitados no Cemitério da Consolação, onde, até hoje, aparecem mulheres misteriosas orando e deixando flores.

Santa ou prostitua? Amante do primeiro imperador brasileiro e algoz da primeira imperatriz ou mãe de família respeitável e dama benfeitora da sociedade? As diversas facetas dessa rica personagem começaram a surgir à medida que pesquisava, quando aparecia alguma oportunidade, sobre ela. Em 2007, enquanto lia sobre a história de São Paulo na segunda metade do século XIX para contextualizar um romance até hoje inacabado, a figura da Marquesa aparecia em todos os lugares: nas festas da Faculdade de Direito de São Paulo, no meio da Revolução de 1842, nas doações para a construção da primeira sede própria da Santa Casa de Misericórdia e em dezenas de outros lugares que eu nunca havia suspeitado. Essa Domitila de Castro parecia ter pouca, ou nenhuma, relação com a mulher que fora feita Marquesa de Santos por D. Pedro I em 1825.

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Inicialmente, imaginei escrever somente sobre a vida de Domitila em São Paulo. A história começaria com o término de seu relacionamento com o imperador D. Pedro I e seguiria até sua morte, passando pelo segundo casamento, com o Brigadeiro Tobias de Aguiar, e outras passagens pouco conhecidas de sua rica história. Porém, pois sempre existe um porém, o destino preparou-me um peça. No meio das pesquisas, encontrei em Nova York, na Hispanic Society of America, 94 cartas inéditas de D. Pedro I para ela. Essas missivas estavam desparecidas desde o final do século XIX, quando uma descendente da Marquesa as vendeu para um antiquário em Paris. Ninguém as havia estudado até então. Essa descoberta tornou impossível não estudar a fundo seu relacionamento com o imperador, os filhos que teve com ele, sua relação com a política nacional e internacional na época. As pesquisas para a biografia foram interrompidas, e dediquei-me a escrever o Titília e o Demonão. Cartas Inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos.

Após o lançamento do Titília, mergulhei em diversos outros arquivos, como o da Biblioteca Nacional e o do Museu Imperial, além de diversos outros em Brasil, Estados Unidos, Alemanha e Portugal. A análise, até então inédita, da correspondência dos embaixadores estrangeiros creditados no Rio de Janeiro no período de 1822 a 1829 foi importante para traçar até que ponto Domitila usou de seu relacionamento com D. Pedro para conseguir favores para si e para os seus. Seu lendário tráfico de influência é fartamente analisado em Domitila, a verdadeira história da Marquesa de Santos, no qual também aparecem algumas descobertas interessantes, como a de que nem a imperatriz D. Leopoldina escapava de conseguir dinheiro traficando favores dentro da Corte.

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No meio do trabalho de transformar em texto mais de quatro anos de pesquisa para a biografia, nova peça do destino. Uma amiga em comum apresentou-me à arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, a duas semanas de ela começar a exumar os restos mortais dos primeiros imperadores brasileiros. Acabei sendo convidado pela arqueóloga a integrar a equipe multidisciplinar dela, como consultor a respeito do Primeiro Reinado. Com isso, a obra é o primeiro livro publicado a conter informações inéditas dos primeiros imperadores, tais como seus aspectos físicos e curiosidades a respeito das exumações e da morte deles, principalmente a causa mortis de D. Leopoldina. Como participei de todas as exumações, também é o primeiro relato de uma testemunha ocular do trabalho realizado.

A biografia revela uma mulher bastante pragmática, uma sobrevivente. De vítima de violência doméstica, numa época em que a mulher era propriedade do marido, Domitila transformou-se na favorita do primeiro imperador brasileiro. Expulsa da corte após sete anos de relacionamento, retornou a São Paulo, sua cidade natal, e reconstruiu sua vida. Após a renúncia de d. Pedro e a complicada fase das regências, passou a ser atacada diretamente na imprensa nacional como um ícone nefasto do Primeiro Reinado e logo arrumou como protetor nada menos que o primeiro paulista a ser governador de São Paulo, Tobias de Aguiar, com quem teve seis filhos.

Ao contrário das biografias padrão, essa extrapola a morte da biografada e mostra como sua figura, suas qualidades e defeitos, deram origem a diversos mitos e como ela foi apresentada pela cultura nacional, e até internacional, por meio de produtos como filmes, esmaltes, literatura, música etc. Também a voz do povo é escutada nessa obra e revela o quanto a mítica relação amorosa entre ela e D. Pedro ainda divide o Brasil entre marquesistas e antimarquesistas.

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Bibliografia:

– Rezzutti, Paulo. “Domitila, a verdadeira história da Marquesa de Santos”, Geração Editorial, 2013.

– Idem. “Titília e o Demonão: cartas inéditas de D. Pedro I à Marquesa de Santos”. Geração Editorial, 2011.

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Domitila: a Marquesa de Santos.

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