Dia do Professor: como ensinar em um país sem memória?

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Guardo as melhores lembranças do Colégio Sion, no Rio de Janeiro, onde o método Montessori foi pioneiramente introduzido nos anos 60. Tínhamos excelentes professores e biblioteca à disposição. O ensino nos incentivava a refletir, buscando relações entre o mundo em que vivíamos e o outro, “lá fora”. Minha paixão por História nasceu nos primeiros anos do colegial, em contato com a matéria de história contemporânea, ensinada por certa mestra dinâmica, entusiasmada e generosa. Nunca a esqueci: D. Ilma. Mais tarde, tive como outra mestra importante para os meus estudos: Maria de Lourdes Parreiras Horta, Brilhante comunicadora e capaz de nos fazer voltar no tempo, por meio da história da arte. Ao contrário de muitas colegas que, ao longo, da vida, se ressentiram da educação religiosa, eu adorava meu colégio com todos os seus rituais: a missa e a confissão na sexta-feira, os trabalhos “em classe”, o desenho artístico. Longe de ter sido uma boa aluna, fui, por outro lado, uma apaixonada por minha escola. Lá, aprendi a aprender.

É preciso que a sociedade brasileira espose uma agenda que valorize a educação e, junto com ela, “a casa dos mestres”, que é a escola. E, sobretudo, a figura esquecida do professor (a). De nada servem programas de cotas ou similares, se ao chegar em casa, o aluno não encontra pais interessados que o entusiasmem pelo sentido do aprendizado. E o que dizer da falta de inter-relação entre pais e escolas? Por que aqui, como acontece nos países desenvolvidos, pais não colaboram diretamente para que as escolas de seus filhos estejam sempre em ordem, bonitas e bem tratadas? Quem não pode, num fim de semana, promover um mutirão e fazer algo para o bem da coletividade? E o que dizer das representações que pairam sobre o professor, na mídia: figura menor e sem interesse. É lamentável que a desestruturação das redes horizontais de solidariedade, que caracterizavam nossa sociedade, tenham levado de roldão a figura do professor. Abandonado a própria sorte, com salários defasados, sem estímulo ou respeito por parte da sociedade, o professor tem que remar contra muitas dificuldades para fazer valer e reconhecer sua posição. Sempre me pareceu um paradoxo o fato de colocarmos três milhões de pessoas na rua, para assistir a Parada Gay, e não conseguirmos mobilizar, o mesmo número em prol da educação.

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Passamos de uma sociedade de tradição oral para uma sociedade escolarizada graças ao esforço de operários anarquistas e comunistas, que a partir dos anos 20, do século XX, exigiram escolas públicas para seus filhos. Antes, para as crianças de camadas desfavorecidas, a prioridade era o ensino técnico. Hoje, temos ensino para todos, mas não sabemos como transmitir conhecimentos que formem os futuros cidadãos. Para isto é necessário – como sugere Edgard Morin – uma reforma do pensamento que rompa o enclausuramento das disciplinas. Mais ensinando a pensar a globalidade, a multidimensionalidade em vez de competências particulares e especializadas.

Sabemos que a participação da família pode significar um “capital cultural” no desenvolvimento do aprendizado. Hoje, também, há suficiente informação, na mídia falada e escrita, para que os pais percebam que esta participação é visceral para o bom desempenho de seus filhos, numa sociedade cada vez mais competitiva. Tais informações também devem nortear  uma atitude educativa eficiente em relação á escola: contato frequente com os professores, valorização do estabelecimento e dos educadores, participação em formas de lazer que agreguem conhecimento. É preciso que as famílias se mobilizem em torno da escolarização de seus filhos, em parceria com a escola, zelando, igualmente, para que esses possam se realizar individualmente. É preciso reinventar o contrato entre a família e a escola, buscando a complementaridade entre estes aspectos.

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A pesquisa é um excelente instrumento de melhoria das condições de aprendizado, pois ela promove a inteligência do aluno. Recortar um tema ou questionamento, levando o aluno sozinho, a buscar respostas, deixando-o propor soluções é fundamental para que ele desenvolva suas competências. O diálogo com o professor pode ser acionado para julgar a validade de suas respostas e se possível, verificá-las. Não se trata de fazê-lo descobrir todas aquelas possíveis, mas de convidá-lo a emitir perguntas e respostas

Para quem, como eu, optou pelo estudo e ensino da História, existe ainda o agravante de que fazemos história num país sem memória. Uma discreta política de esquecimento se abate sobre a sociedade brasileira. Caberia bem certa definição de Paul Ricoeur, quando diz que “como os velhos, temos muitas lembranças e má memória”. Num processo permanente de amnésia, temos esquecido os objetos e lugares de memórias de nossos avós, ajudando a sepultar um patrimônio que desaparece sem deixar pistas. Impotentes e nostálgicos, esquecemos as paisagens geográficas, humanas e culturais, que se apagam graças á penadas dos políticos que deveriam, eles, estar nos mausoléus. Esquecemos os problemas nacionais – os mártires da violência urbana ou os escândalos impunes. Não seremos jamais o que fomos, pois não sabemos conservar o que somos. – Texto de Mary del Priore.

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Escolas de antigamente (imagens Arquivo Público de SP).

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