Dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro

Hoje é dia de Santo Antônio, um dos mais populares no Brasil e em Portugal. Desde os tempos coloniais, as moças que desejavam se casar, mas que encontravam dificuldades, costumavam rezar para o “santo casamenteiro”. Nos casos de decepção amorosa, por exemplo, algumas, mais desesperadas, chegavam a esconder o Menino Jesus que o santo trazia nos braços até que ele lhes restituísse o namorado fujão. Quadrinhas de época mostram que já se recorria ao milagroso santinho para conseguir um noivo ou uma noiva:

Meu santo Antônio faceiro

santo dos mais adorados

que, sendo um santo solteiro,

cresces o rol dos casados.

         Luís da Câmara Cascudo, lembra que as festas em sua homenagem quase desapareceram, mas o prestígio de arranjar casamento e encontrar objetos perdidos se mantém. “Trouxeram os portugueses o culto antonino, que se divulgou e fixou através dos tempos. (…) O Santo Antônio de Pádua ficou sendo o deparador das coisas perdidas. Dessa habilidade decorre a notoriedade de casamenteiro quase infalível. Encontrar noivo é também um milagre de paciência incrível. Em Portugal e no Brasil diz-se que o santo era visitado comumente pelo Menino Deus, e a iconografia antonina reproduz abundantemente essa tradição. As moças submetem a imagem de Santo Antônio a todos os suplícios possíveis, na esperança de um rápido deferimento”.

        A religiosidade popular brasileira recebeu influências europeias, africanas, indígenas e judaizantes.  Desde os tempos coloniais, como observa Laura de Mello e Souza, em “O Diabo e a Terra de Santa Cruz”, a afetividade é um elemento muito forte na fé popular, pois, “afetivizando-se a religião procurava-se inseri-la no cotidiano”. Isso leva a situações curiosas: “O santo que se venera, que se adora, com quem se trocam confidências é também aquele que, no contexto da economia religiosa do toma-lá-dá-cá, pode-se atirar num canto, xingar, odiar em rompantes de cólera ou de insatisfação”, diz a historiadora.

Ver mais  D. Pedro e Domitila: ciúme e paixão

Daí algumas atitudes extremas em relação às imagens de Santo Antônio, que podiam ser penduradas de cabeça para baixo em poços, cacimbas ou até em urinóis velhos, com o intuito de pressionar o santo a agir mais rapidamente. Outro expediente era tirar o menino Jesus dos braços do santo e só devolvê-lo quando a questão amorosa fosse resolvida. Mas, os suplícios podiam ter outras razões, além da demora em encontrar marido e das decepções amorosas.

Em meados do século XVIII, em Sabará, conta Laura de Mello e Souza, a negra Rosa Gomes, que estava desesperada e sozinha em sua casa, clamando aos santos por ajuda sem sucesso, “não achando pau nem corda para se enforcar, assim desesperada e fora de si, partiu a facão as imagens de Nossa Senhora, Santo Antônio, inclusive o menino Jesus, decepando-lhe a cabeça e arrancando-lhe os braços”. A ira de Rosa lhe rendeu áspera repreensão dos inquisidores.

As relações com o santo eram bastante ambíguas. No século XVII, os inquisidores registraram o caso de Lázaro Aranha que invocava Santo Antônio para ganhar no jogo de cartas e o agradecia chamando-o de “velhaquinho”, com uma intimidade desconcertante. O mesmo Lázaro prometeu uma esmola ao santo se ele o ajudasse a encontrar um negro fugido, mas quando o encontrou, enganou o santo e não lhe deu “um cruzado” sequer.

        Dentre as inúmeras habilidades do santo, estava incluída a de recuperar escravos, faceta menos simpática, de acordo com Câmara Cascudo. Por outro lado, o Santo Antônio Preto era venerado pelos escravos. “Podia ser apenas a comum imagem, pintada de negro por solidarismo e sublimação de seus devotos”, conta o folclorista.

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti e de Mary del Priore.
Ver mais  "As Origens do Sexo" - Dica de leitura

Santo_Antonio

Deixe uma resposta