Dia da Mulher: nada irá mudar se não mudarmos

Por Mary del Priore.

Nos países desenvolvidos, a vaga feminista dos anos 70 foi realizada por mulheres brancas, de classe média e de nível superior. A agenda do movimento foi constituída a partir das necessidades e experiências das mesmas. Nela, a palavra submissão aparecia repetidas vezes. A luta era “contra”: contra a submissão imposta por maridos, patrões, amantes, pais e irmãos. O início do século XXI marcou uma ruptura na história da invisibilidade das mulheres. Caminhamos para um pós-feminismo, no qual a ideia de combinação, de associação, de mixagem tornou-se um valor ético e universal, pois seres humanos não podem viver uns sem os outros. Nesse momento em que as mulheres emergem como novos atores sociais na escolha de suas vidas e de sua maneira de ser, os modelos femininos se diversificam. Mulheres reivindicam não mais serem reduzidas a uma só dimensão, pois querem ser simultaneamente mães, companheiras, trabalhadoras, cidadãs e protagonistas de seu lazer e prazer. Acho que a luta hoje é “a favor”: a favor de valores compartilhados, de complementaridade nos papéis, de equilíbrio entre público e privado. Uma agenda que serve para os homens também.

Hoje não há um feminismo, como o que se consolidou nos anos 1960 e 1970, sobretudo entre intelectuais, mas feminismos no plural, com agendas muito diversas. As integrantes da FEMEM [grupo feminista de origem ucraniana] fazem do corpo um protesto contra os abusos. Há executivas, no mundo corporativo, que advogam em favor da meritocracia e do ganho financeiro como forma de luta. Outros grupos usam o riso e a caricatura dos papéis femininos como linguagem crítica. Outros lutam em favor dos direitos e das relações homoafetivas. Outras ainda, advogam em favor da maternidade e da beleza como fonte de realização. Não existem mais fórmulas fixas, mas grupos em ação.

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A pílula anticoncepcional permitiu a mulher fazer do sexo, não mais uma questão moral, mas de bem-estar e prazer. A mulher tornou-se, assim, mais exigente em relação ao seu parceiro, vivendo uma sexualidade mais ativa e prolongada. Entre ambos, surgiram normas e práticas mais igualitárias. Ela, também, se despiu. O nu, na mídia, nas televisões, e nas praias, a incentivou a desvelar seu corpo em público, banalizando-o. A solução foi cobri-lo de cremes, silicones e colágenos. A pele tonificada, alisada, limpa, passou a ser vista como uma forma de vestimenta, que não enruga nem “amassa” jamais. Uma estética votada ao culto da boa forma, fonte inesgotável de ansiedade e frustração, levou a melhor sobre a sensualidade imaginária. Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da desgraça da rejeição social. Essa é uma barreira que temos que quebrar: nos reconciliar com a mulher que está além de suas formas, que tem espírito, alma, valores, e que luta por eles.

Confira a entrevista completa de Mary del Priore ao site Opinião e Notícia, sobre as mudanças no papel da mulher:

http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/a-mudanca-do-papel-da-mulher/

Titian_woman_mirror

“Mulher no Espelho”, de Ticiano.

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  1. ana maria mortari

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