Copa do Mundo: a paixão do Brasil pelo futebol

           Na veia da gente brasileira subsistia, mais do que um esporte, uma paixão: o futebol. Ao mesmo tempo jogo e espetáculo, ele colocava em cena, não só estrelas ou artistas solitários, mas, equipes.  Os estádios eram o lugar da felicidade dos torcedores que acorriam para aplaudir o estranho balé. O bi-campeonato no Chile, ao som de “A taça do mundo é nossa/ Com brasileiro não há quem possa/ ê-êta esquadrão de ouro/ É bom no samba, é bom no couro” deixara excelentes lembranças. O historiador Plínio Labriola Negreiros recorda que depois de vários sucessos, a seleção brasileira colocara o futebol americano na frente do europeu: quatro Copas a três. “O forte do Brasil não era o futebol, era o homem”, gabava-se Nelson Rodrigues em crônica de Fatos & Fotos. Mas na Copa da Inglaterra, veio a reação europeia.

            Negreiros sublinha que a derrota veio junto com o regime autoritário. A desorganização imperou: após mais de quarenta jogadores pré-selecionados, o time nacional chegou à Inglaterra sem uma equipe definida. Como resultado, uma vitória contra a Bulgária e duas derrotas: Hungria e Portugal.  Vencido pelos donos da casa, o bicampeão mundial amargou um 11º lugar. De mestres passamos a aprendizes, diz Guerreiro. E o técnico Zezé Moreira a arrematar: “Os europeus, como é do conhecimento de todos, estão aplicando o “futebol-força e vêm obtendo excelentes resultados”.

A Copa de 70 trouxe novidades. A maior delas foi a escolha do técnico, um ex-comunista, João Saldanha, surpresa até para a Confederação Brasileira de Futebol. A seguir, a sua difusão pela televisão, permitindo a milhões de torcedores vibrar com as “feras do Saldanha”. Depois de uma série de polêmicas, Saldanha deixou o comando da seleção, assumindo Mário Jorge Lobo Zagallo, ex-jogador e bicampeão mundial. Montou-se um time com boa preparação física e uma estratégia clara: ataque e defesa em bloco. O jogador rebelde de talento espontâneo presente nos gramados em disputas anteriores, cedia lugar ao “atleta soldado” – como o denominou o historiador Hilário Franco Júnior. E o regime, no seu momento mais violento, desejou muito a conquista do tricampeonato. Um time com os melhores jogadores do país, bom preparo atlético e técnica apurada gerou seis vitórias. Conquistou-se definitivamente a taça Jules Rimet. O hino de Miguel Gustavo, por sua vez, insistia na idéia de que a seleção promovia a unidade nacional: “90 milhões em ação/Prá frente Brasil/do meu coração/ Todos juntos, vamos/ Prá frente Brasil/ salve a seleção/ De repente é aquela corrente prá frente/ Parece que todo o Brasil deu a mão/ Juntos ligados na mesma emoção/ Tudo é um só coração/ Todos juntos, vamos/ Prá frente, Brasil/ salve a seleção”!

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Após a conquista da “taça”, sobreveio um caminho difícil. Foram cinco copas sem título. Um jejum iniciado em 1974. Na preparação da Copa da Alemanha, sem Pelé que se despediu da seleção em 1971, mais uma vez incorreu-se em erros de organização. Veio um futebol sem imaginação ou eficiência que resultou em jogos sofríveis. Bem que o regime, em plena desagregação, queria diferente. Mas não foi possível. “A seleção sob o comando de Cláudio Coutinho, continuava militarizada”, diz Franco Júnior. E foi para a Argentina, também sob regime militar, como se fosse para a guerra. Não se saiu bem, a vaga ficou para o time da casa e restou ao Brasil se proclamar “campeão moral” depois de derrotar a Itália e finalizar em 3º lugar.

Para 1982, a Confederação Brasileira de Futebol escolheu o técnico Telê Santana. Era a volta do futebol arte. Um time de alta qualidade encantou a Copa da Espanha. Gols choviam contra a União Soviética, a Escócia, a Nova Zelândia e a sempre antagonista, Argentina. A conquista do título na seleção em que brilhavam Sócrates, Zico e Falcão, parecia coisa natural. Veio, porém, outra tragédia para o futebol nacional: derrota nas quartas de final para a Itália, dona de sofrível futebol. Enquanto a Ditadura agonizava, a Itália vencia, sublinha Negreiros.

Em 1986, Telê Santana assumiu novamente o comando na Copa do México. Outro fracasso… Assim como na Copa anterior, o time caiu nas quartas de final depois de uma disputa de pênaltis com a França. Embora tenha deixado a disputa sem derrotas e tomando apenas um gol, os maus resultados começaram a pesar sobre o time. Em 90, novo técnico. O muito criticado Sebastião Lazaroni comandaria a equipe na Itália. Reclamava-se que táticas pouco habituais aos brasileiros eram adotadas. Para muitos, iniciava-se a era Dunga, em razão do futebol atribuído ao volante brasileiro.  Foi uma Copa de baixo nível técnico. E com uma novidade emprestada aos novos tempos: a globalização de jogadores. Dos 22 escalados, 12 trabalhavam no exterior. Cada vez menos, os representantes de nosso futebol corriam em nossos gramados. Para vê-los, só nos campeonatos estrangeiros, via televisão. E outra péssima participação: um nono lugar após três vitórias e a derrota para a eterna adversária: Argentina, na melhor partida do Brasil – explica Negreiros.

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Em 1994, foi a vez de ir aos Estados Unidos sob a batuta do treinador Carlos Alberto Parreira e seu supervisor, Mário Zagallo. Antigos nomes voltaram à seleção para defender as cores do país. Poucos acreditavam em uma equipe defensiva, contando, apenas, com dois atacantes: Bebeto e Romário, além de 12 jogadores que jogavam no exterior. Mas a eficiência foi coroada com cinco vitórias, numa Copa decidida na disputa por pênaltis. Com um futebol que não se comparava ao jogado em 1982 e 1986, o Brasil conquistou o tetracampeonato. Em 2000, a França acolheu, depois de sessenta anos, a Copa. Sob o comando de Zagallo, a seleção deixou o país na condição de favorita. Treze “estrangeiros” ombreavam com uma jovem estrela: Ronaldo, com 21 anos e pouca atuação no país. O time foi bem até a final com a França quando Ronaldo foi escalado, depois de ter sofrido uma convulsão. O resultado foi uma derrota por três a zero, além de dúvidas que enquadraram o episódio: o futebol estaria mais e mais, nas mãos de dirigentes pouco preparados e interesses de grandes empresas de material esportivo – como querem alguns estudiosos?

  • Texto de Mary del Priore.
seleção 58

Seleção brasileira campeã mundial em 1958

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