Documentos remanescentes das Visitas da Inquisição no Brasil Colônia, preocupadas com as moralidades de nossos ancestrais, revelam, por exemplo, a existência de “palavras de requebros e amores” e a “beijos e abraços”, sugerindo prelúdios eróticos e carícias entre amantes. Atos sexuais incluíam toques e afagos, implicando na erotização das mãos e da boca. “Chupar a língua”, “enfiar a língua na boca” segundo os mesmos documentos não era incomum. Os processos revelam que alguns sedutores iam direto ao ponto: “pegar nos peitos” e “apalpar as partes pudentes” era queixa constante de mulheres seduzidas.
Arroubos não foram incomuns; beijos roubados e furtivas bolinações eram práticas usuais regadas a propostas lascivas e palavras amatórias. Alguns tocamentos podiam ser tímidos, escondendo confessados desejos. Rostos e mãos levemente roçados por dedos ávidos ou mãos apertando outras. Fazer cócegas na palma da mão e pôr a mão sobre o coração para dizer o querer bem era parte da gramática amorosa. Em algumas ocasiões, eram os pés que agiam ligeiros a alisarem outros pés. Alguns afagos eram apenas esboçados, a anunciar a vontade de outros mais ousados, enquanto se elogiava a formosura da mulher. Conjugavam-se muito os verbos estimar e querer bem. Câmara Cascudo estudou o significado de inúmeros gestos que serviam de código de conversação entre namorados, impedidos de expressarem de forma mais declarada os seus sentimentos.
A poesia burlesca e satírica vingava-se da repressão. Nela, os órgãos genitais “falavam”. Em Bocage, o pênis afirmava categórico: “Juro só foder senhoras”. Na poesia, o universo vocabular também contemplava o corpo e o sexo, sem pudor. “Alcatreira” queria dizer bunduda. “Arreitar”, era excitar, dar tesão. “Bimba”, pênis pequeno. “Crica”, vagina. “Cu”, bunda. “Pachocho”, genitália feminina. “Pívia”, masturbação. “Trombicar”, foder. “Vir-se”, gozar. “Sesso”, ânus.
E é o próprio poeta que informa sobre os encontros:
“Tal fogo em mim senti, que de improviso
Sem nada lhe dizer me fui despindo
Te ficar nu em pelo, e o membro feito
[…]
Nise cheia de susto e casto pejo
Junto a mim sentou-se sem resolver-se
Eu mesmo a fui despindo, e fui tirando
Quanto cobria seu airoso corpo
Era feito de neve: os ombros altos
O colo branco, o cu roliço e branco
A barriga espaçosa, o cono estreito
O pentelho mui denso, escuro e liso
Coxas piramidais, pernas roliças
O pé pequeno… oh céus! Como és formosa”
Mas, como demonstrei em Histórias íntimas, isso era poesia… Pois enquanto literatos davam vazão aos sentimentos eróticos, a catequese se impunha a toda a sociedade colonial. A agenda era uma só: civilizar, educando nos princípios cristãos.
- Texto de Mary del Priore. Extraído de “Histórias da Gente Brasileira: Colônia”, Editora LeYa, 2016.
Gravura erótica do pintor húngaro Mihály Zichy.