Depressão: um mal que não poupa nem os príncipes

Ao longo da História, houve muitos homens e mulheres que sofreram com a melancolia, que hoje chamamos de depressão. Uma das histórias mais tristes, entre tantas, é a do neto de D. Pedro II, Pedro Augusto, filho de D. Leopoldina (irmã da princesa Isabel). O neto preferido do Imperador sonhava em assumir o trono, mas os seus planos nunca se realizaram. Mary del Priore contou a sua trajetória sofrida em “O Príncipe Maldito”.  Conheça alguns trechos do livro, que tratam do seu tormento:

Além dos terríveis sintomas de melancolia ou lipemania, Pedro Augusto sentia dores nas pernas e sufocação. Sua escrita, antes clara e quase escolar, tornara-se um garrancho. Letras enormes, quase deitadas, ocupavam as páginas. Mas ao final do mês, os sintomas recomeçaram com maior violência. (…) Não comia e suas noites eram insones. Ele saia da imobilidade automática e do mutismo para balbuciar palavras incompreensíveis. Pior era quando tudo acabava em gritos, proposições ultrajantes, juramentos e imprecações.

Por vezes, o encontraram de cócoras no quarto, espuma na boca, olhando o vazio.  No rosto, sinais de terror, ódio, remorso, desgosto da vida, enfim, sinais da luta que ele travava consigo mesmo. Era o acúmulo de fluidos nos centros cerebrais, diziam os alienistas. Era febre cerebral, dizia Mota Maia. Tratavam-no com injeções de óleo canforado e eletroterapia, então no seu início e receitada para depressões renitentes. Foi quando ele recebeu a visita de um médico vienense, o jovem Sigmundo Freud. (…)

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Aos 27 anos, o príncipe Pedro Augusto, neto de D. Pedro II, estava à beira da interdição. Sofria a falta de recursos, sem conseguir agir para mudar as coisas.Pobre príncipe. Sua vida era melancolia e luto. Ele não conseguia atravessar ao estágio seguinte, aquele em que, passado algum tempo da perda, a pessoa recupera o interesse pela vida. Mergulhara num profundo desânimo, não manifestava mais interesse pelo mundo externo, progredia a sua incapacidade de amar.

Prisioneiro de uma forma ideal de si mesmo que não se realizara, – o futuro imperador Pedro III –, ele se sentia impotente, paralisado. E não havia ninguém para lhe dar segurança. Por sentir-se incapaz de pensar em felicidade, o príncipe começou a pensar numa maneira de morrer. Não era difícil. O suicídio, tema de pinturas e romances, se tornou uma forma corriqueira de por fim aos sofrimentos. As taxas subiam a cada ano. Só na França, na segunda metade do século, aumentaram em 40%. Solteiros, mais do que viúvos  e, estes, mais do que casados se matavam. Por sua vez, no universo germânico, no qual o príncipe vivia, a morte produzia uma mitologia fantástica. Böcklin pintava a Ilha dos Mortos, na qual um fantasma emergia da bruma, para se materializar no cenário da natureza silenciosa. A imagem tradicional do esqueleto dava lugar à dos anjos ambíguos, de sexualidade dúbia, mistura de beleza, voluptuosidade e finitude. A morte acenava docemente para os vivos. Chamava os que não quisessem mais viver.

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No I Congresso Internacional de Psicologia Fisiológica,  que Charcot realizara em Paris em 1889, além de discutir hipnose, espiritismo e fatos extraordinários, se falou muito em suicídio. Havia um consenso entre especialistas. Este era um fato geral, infelizmente, muito comum no seio das sociedades modernas. Apesar da aparência próspera, um mal estar profundo corroia nelas os elementos mais sadios. Criaram mesmo uma tipologia para os suicídios. Eles podiam ser “maníacos, melancólicos, obcessivos-impulsivos, automáticos ou delirantes”. As causas: paixões, tristezas, loucura. Depois, se passou a atribuir à neurastenia – que se tratava com banhos, repouso e eletricidade – a tendência para o ato. Ele podia ter, também, razões filosóficas, religiosas e patrióticas. Baseadas em relatos policiais, centenas de teses de medicina catalogavam os suicidas por idade, sexo, profissão, grau de instrução, clima. Os ingleses atribuíam um grande papel ao mau tempo. A chamada “melancolia anglica” matava mais, em função dos meses seguidos de neblina e chuva.

Em 1893, em Viena, (…) em seus aposentos, deixado só pelo criado, escancarou as janelas. Como um vento violento jogou para fora o que encontrou à mão, ou que sobrara das várias espoliações sofridas. Objetos, livros, roupas rodopiavam sobre os canteiros adormecidos. Alertado pelo barulho, o criado voltou a tempo de vê-lo em pé, no parapeito. Sobre o fundo negro, encostado ao alisar da imensa janela, seminu, ele apoiava as costas. A bela cabeça loura largada para o lado olhava o nada. Presa à cintura, a camisa recaía em pregas: mais parecia um São Sebastião. Ele expirou rapidamente, algumas vezes, como se quisesse ver, no frio, a fumaça saindo pela boca. Depois, abriu os braços e voou.

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Alguns nunca esqueceriam o belo príncipe que conspirou e foi traído. Em maio de 1904, Machado de Assis recebeu uma carta de seu amigo Magalhães de Azeredo. Ele recordava o favorito, então, vivendo no que Gusty chamava de Casa de Saúde: “Eu lhe escrevi para o exílio, antes do trágico naufrágio espiritual. E ele respondeu-me com uma carta afetuosa. Depois as portas do manicômio se abriram para ele: tudo se lhe apagou no cérebro combalido, até o último vislumbre dos instintos. O Hilário de Gouveia que o viu em Viena, disse-me que já não é um louco, mas, um demente incurável – todos os males da vida psíquica se lhe espedaçaram, se lhe aniquilaram. E entretanto, emagrecido, palidíssimo, crescidas as barbas e a cabeleira loura, é belo como um Cristo…morto!”

Pedro Augusto morreria em 1º de setembro de 1934, de insuficiência cardíaca, 40 anos após a sua primeira tentativa de suicídio.

 (“O Príncipe Maldito”, de Mary del Priore).

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4 Comentários

  1. Samuel Vastto
  2. Juliana

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