D. Leopoldina, uma nova biografia

Por Paulo Rezzutti.

 

        Insossa, insignificante, traída são alguns dos adjetivos que me vêm à mente ao me lembrar da imagem que fazia da imperatriz Leopoldina há cerca de dez anos. Ao me debruçar sobre a história de um dos mais famosos casais de amantes brasileiros, d. Pedro e a marquesa de Santos, d. Leopoldina ainda me parecia sem muita vida. Como alguém poderia aguentar tanta humilhação e não se revoltar? Era o homem do século XXI vendo a questão com o olhar atual. Ao começar a escrever sobre a marquesa e, principalmente, durante os estudos para a minha biografia a respeito de d. Pedro, tudo mudou.

      D. Leopoldina era uma estrategista, mais preparada e educada que d. Pedro, mas teve a sua história diminuída e elevada à categoria de santa, mártir de paciência por tudo o que sofreu no Brasil. Aliás, coisa comum em nossa história são as mulheres entrarem nela ou como santas, ou como devassas. Esse é o ponto que une d. Leopoldina à marquesa de Santos: o papel político de ambas foi apagado, afinal, a política é o campo dos homens há milênios e geralmente são eles que escrevem a história, com raras exceções. Além do material que vinha coletando sobre ela, desde a biografia da marquesa de Santos, muito mais surgiu durante as pesquisas para a obra a respeito de d. Pedro.

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      Primeiro, foi o seu diário da época de sua juventude em Viena, que se encontra no Museu Imperial e que é praticamente desconhecido do grande público. Nele, vemos uma adolescente impetuosa, cheia de vida, que adorava levar ao teatro o seu sobrinho predileto, o príncipe de Roma, a quem chamava de “meu tesouro”, filho de sua irmã Maria Luísa com Napoleão. Divertida, descreve de maneira caricaturada os grandes reis, príncipes e até o czar da Rússia, com quem conviveu durante o Congresso de Viena, presidido pelo seu pai, o imperador da Áustria. Se essa documentação era surpreendente, muito mais viria.

       Os duzentos anos da chegada de nossa primeira imperatriz aproximavam-se, e, graças à informação fornecida por um colecionador paulista, foi possível chegar ao arquivo da condessa Maria Ana von Kühnburg (1782-1824), nobre austríaca que acompanhou d. Leopoldina em sua viagem de Viena até o Rio de Janeiro, em 1817. Algumas das cartas do conjunto já haviam passado pelas mãos do grande biógrafo de d. Leopoldina, Carlos H. Oberacker Jr., entretanto, pouco do material fora utilizado em seus escritos sobre a imperatriz. Oberacker não se debruçou sobre o diário da condessa para a sua amiga Ernestine, nem deu maior atenção às cartas escritas por “Nanny” ao pai. Faltou a ele agir, no dizer de Le Goff, como o “ogro historiador”, o “amador da carne fresca da história que lhe é tão frequentemente recusada”. Faltou a ele chegar ao tutano, ao cerne das missivas, que contam mais do que a superficialidade das palavras faz notar à primeira vista.

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      O conjunto arquivístico da condessa chegou ao Brasil em meados dos anos 1970. Inicialmente, era composto por diários e cartas dela relativos à viagem ao Rio e um álbum de desenhos feitos por Franz Joseph Frühbeck. O desenhista amador conseguiu um lugar na comitiva da princesa Leopoldina como auxiliar de bibliotecário, vindo junto com o grupo principal, diferentemente dos membros da missão científica e da embaixada austríaca. Franz Joseph acabou nos legando o único registro íntimo dessa travessia, que retrata o dia a dia da nau D. João VI e de seus ocupantes.

      Esse conjunto documental havia sido adquirido em 1975 pelo dr. Erico Stickel. Após o falecimento deste, em 2005, os desenhos de Frühbeck pertencentes à coleção Kühnburg passaram, em 2008, a pertencer ao Instituto Moreira Salles. Imaginando que os diários e as cartas da condessa houvessem também passado à instituição, entrei em contato com a sra. Julia Kovensky, coordenadora de Iconografia do IMS. Ela, porém, informou que o instituto havia comprado apenas as imagens e colocou-me em contato com a sra. Francis Melvin Lee, superintendente do Instituto Hercule Florence. Desde 2011, a biblioteca e o arquivo do dr. Erico Stickel, onde estava a parte manuscrita do arquivo Kühnburg, passaram ao IHF.

      Além das imagens feitas por Frühbeck que se encontram no Brasil, foi possível, graças ao dr. Marcus Burke, curador sênior de pinturas e desenhos da Hispanic Society of America/NY, incluir nesta obra outras imagens realizadas pelo artista que pertencem ao acervo dessa instituição.

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      Minha visão sobre d. Leopoldina mudou absurdamente após o meu trabalho de pesquisa, e espero que essa nova biografia propicie ao leitor novas formas de ver as diversas facetas de uma das personagens mais complexas de nossa história. Aproveito para lançar um alerta aos estudantes e interessados em história: nem tudo o que já foi escrito sobre determinado personagem ou período da nossa história é capítulo virado e encerrado, onde tudo já foi dito. Novos estudos e, principalmente, pesquisas em documentação primária são necessários para que possamos entender melhor nossos antepassados e o nosso Brasil.

“D.Leopoldina: a história não contada – A mulher que arquitetou a independência do Brasil”, de Paulo Rezzutti, Editora LeYa, 2017.

LEOPOLDINA

LANÇAMENTO:
Hoje, segunda-feira, 20 de Março, às 19h30.

Livraria Cultura – Conjunto Nacional.Avenida Paulista, 2.073

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