Corpos femininos: uma breve história da busca incessante pela perfeição

A obsessão pela perfeição feminina vem de longe. Os padrões de beleza e comportamento mudaram muito desde a época em que os portugueses desembarcaram por aqui, mas podemos observar que sempre houve grande pressão para que os corpos femininos correspondessem aos modelos idealizados. Hoje, vivemos uma espécie de ditadura da “boa aparência”, sustentada pelos pilares: magreza, juventude e beleza.

A seguir, uma cronologia dos principais acontecimentos que influenciaram as expectativas em relação aos corpos das mulheres brasileiras:

1500 – Chegada dos portugueses às costas do Brasil e Carta de Caminha, mencionando a beleza física de nossas tupi-guaranis.

1552 – Veronese pinta A Bela Nani, ideal de beleza feminino do Renascimento.

1554 – Aparece em Veneza o primeiro manual de beleza: Il Libro della bella donna, de F. Luigi, cheio de segredos e truques de maquilagem.

1587 – Gabriel Soares de Souza critica as despesas exageradas das colonas com roupas importadas.

1630 (circa) – Início da moda de perucas e do uso de farinha para montar as cabeleiras.

1670 – Na  comédia O burguês gentilhomem Molière caricaturiza os que querem vestir-se como aristocratas sem sê-lo.

1748 – Morelly publica em Amsterdã. Física da beleza e poder sobrenatural de seus charmes.

1750 (circa) – Agudiza-se, na França, a obsessão com a roupa branca ou íntima; o uso do lenço branco se difunde.

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1750 – Primeiros textos médicos atacando a prática de comprimir o dorso e a cintura.

1770 – Surgem anquinhas que duram, com altos e baixos, até 1895.

1778 – Maria Antonieta lança, na corte francesa, a moda de vestir-se fantasiada: à armênia, à turca, à italiana, etc.

1787 – Surgem, em Paris, os primeiros números de Le cabinet des Modes, pioneiro jornal de moda e beleza.

1805 – Vestidos femininos perdem amplitude e como camisolas, pendem ao longo do corpo. Os decotes arredondam-se e as cinturas deslocam-se para cima: é o estilo império.

1810 (circa) – Os primeiros espartilhos à Ninon, só para separar os seios, como exigia a moda.

1830 – As saias abrem-se em corolas armadas sobre anáguas e crinolinas.

1850 – Aparecimento da escarpolette, ancestral das atuais calcinhas.

1885 – A exposição universal de Paris, expondo artefatos de países exóticos, lança a moda do xaile que se beneficiava das anquinhas sobre as quais expunha seus arabescos com esplendor.

1890 (circa) – Loja de Madame Coulon, no Rio de Janeiro, vendendo lingérie enquanto a célebre loja de Departamentos Au Printemps, de Paris, oferecia, por catálogo, seus produtos aos consumidores brasileiros.

1895 (circa) – Registros da importação de bidets e water-closets.

1900 (circa) – Voga da Água de Flórida, do sabonete Reuter, do perfume Houbigant e da substituição do carmim pelo rouge no rosto.

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1913 – A Sociedade Hípica Paulista organiza caças à raposa com a presença de várias amazonas.

1918 – A Belleza Feminina e a Cultura Physica.

1920 – Lançada a Revista Feminina que se manterá até 1929.

1922 – Chanel abandona as sombrinhas e lança a moda da pele dourada pelo sol.

1925 – Baton  em escala industrial.

1928 – A revista Sports comenta o estilo das tenistas brasileiras.

1927 – Catálogo de roupas brancas e colletes Rejane.

1939 – Chegada do maillot de tricô com perninhas, para uso nas praias e piscinas.

1947 – New look: voltam vestidos armados a rodados.

1950 – Desodorante em escala industrial

1960 – Minissaia: roupas curtas e retas acompanhadas de cabelos longos.

1967 – Roland Barthes a partir da semiologia, pensa o corpo e a roupa  no seu Sistema da Moda.

1970 – (circa) Chegam ao Brasil o body business e a boneca Barbie.

(cronologia extraída de “Corpo a Corpo com a Mulher”, de Mary del Priore).

Dos anos 70, para cá, passamos por muita coisa: a moda das academias e da malhação, a busca pela magreza cada vez mais radical, o silicone nos seios e o aumento das cirurgias plásticas. A internet trouxe consigo grandes transformações comportamentais. Hoje, com a mania da superexposição nas redes sociais, da enxurrada de selfies e fotos que registram cada minuto da vida dos famosos e dos não famosos, chegamos a um egocentrismo que beira o caricatural. Mulheres obcecadas pela boa forma exibem orgulhosas abdomens musculosos poucos dias depois de dar à luz a seus filhos (ou até antes). Ser velha ou gorda se tornou uma vergonha. A mídia nos bombardeia com imagens de seres perfeitos, totalmente irreais, de mulheres que, não satisfeitas com as intervenções cirúrgicas e estéticas, ainda recorrem ao photoshop para apagar qualquer vestígio de imperfeição.

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A boa notícia é que surgem alguns focos de resistência. Algumas de nós estão se rebelando contra essa cruel, onipresente e sufocante cobrança pela beleza inatingível. Quando conseguiremos conviver harmoniosamente com nossos próprios corpos? Chegará esse dia? – Texto de Márcia Pinna Raspanti

 

nu perante a câmera Julien Vallou de Villeneuve (French, 1795–1866)

Nu perante a câmera, de Julien Vallou de Villeneuve.

3 Comentários

  1. Rosa Correa da Silva
  2. Vicentina dos Santos Vasques Xavier

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