Na próxima semana, o STF fará uma audiência pública para discutir a necessidade de autorização prévia para publicação de biografias. Mary del Priore fala sobre a polêmica:
Amigos e colegas, queria lhes pedir que acompanhem e façam pressão pelo fim da autorização prévia das biografias. É lamentável que um gênero biográfico que existe desde o século II depois de Cristo – a primeira biografia foi escrita por Plutarco e se chamava “Vidas paralelas” – esbarre, entre nós, num tal atraso. Apenas regimes autoritários como China, Síria e Rússia impedem biografias sem autorização. Outro ponto que revela a ignorância do grupo Procure Saber é o fato da biografia ser um gênero literário como existem os romances, a auto-ajuda ou os policias. Em sendo um gênero não é para ser lido como “a verdade”, mas como um texto com uma versão dos fatos sobre uma vida.
O grupo Procure Saber recuou quanto aos “dízimos” que queria que nós, professores, pesquisadores, historiadores e jornalistas, pagássemos! Uma vergonha artistas que possuem imóveis em Paris, uma das capitais mais caras do mundo, exigir de um grupo tão sem recursos, dinheiro! Será que ainda podemos chamá-los de artistas? Outra tensão se revelou na separação entre Roberto Carlos e Caetano. Curioso que nos anos 70, o primeiro fazia um rock burguês e o segundo, letras de esquerda. E se “bicavam”. Hoje estão no mesmo campo: o da censura. Alguns grandes jornalistas como Fernando Moraes já avisaram que não irão prosseguir em suas pesquisas por temor de multas às editoras. É uma grande perda para seus leitores e para a história do país.
As biografias vem encontrando enorme receptividade de público especializado ou não. Elas são uma porta para o passado. Para um tempo que ainda não conhecemos. Através de um personagem entramos em contato com todo um período histórico: aquele em que ele viveu. Os arquivos e bibliotecas contém documentos preciosos sobre a vida pública e privada de nossos antepassados. Proibir tais leituras irão despertar por um lado, maior curiosidade. E por outro, calar o conhecimento. O triste, é que num país que busca raízes identitárias, não saber história tem um preço. Nunca saberemos quem somos, se não soubermos quem fomos.
A publicação apenas de obras oficiais empobrece significativamente o Estado Democrático de Direito. A uma, porque é natural que os biografados chancelem textos que destaquem seus momentos de glória e amenizem as situações menos abonadoras. A duas, porque os eventos vividos pelos biografados seriam narrados somente a partir de seus próprios pontos de vista, excluindo a interpretação de outras pessoas sobre os mesmos fatos.
Não advogo que as pessoas públicas não tenham direito à intimidade. O que defendo é que, para proteger um direito individual, não é possível violar um direito coletivo. Se, eventualmente, o biógrafo exercer de forma abusiva seu direito de informar, que responda civil e criminalmente por seu ato. Proibir a publicação antecipadamente, por constituir ato de censura, é que não pode.
Também sou contra a autorização prévia para a publicação de biografias não autorizadas.
Confio na competência e na ética dos escritores e pesquisadores que, com certeza, não publicarão ofensas ao biografado.
No caso de eventuais abusos, sempre será possível – e recomendável – recorrer à Justiça.
Na minha opinião, proibir a publicação de uma biografia equivale a proibir a veiculação nos telejornais de notícias sobre os famosos.