Beijo de Mãe

Para as crianças: atenção, sorrisos e, sobretudo, muito carinho. Se nossa sociedade individualista e anônima evita cada vez mais os contatos entre os corpos, se nosso envelope hedonista é cada vez menos alvo de desalinho, nossas crianças, ao contrário, sempre inspiraram todas as demonstrações de afeto físico. Sobre nossos indígenas, os jesuítas que os consideravam bestiais, registravam impressionados: “estimam mais fazer o bem a seus filhos, que a si próprios”.

Ao longo de séculos, educadores e médicos criticaram o “demasiado mimo” e o “estremecimento” com que nossos filhos foram tratados. Sem ironias, podemos dizer que as marcas de afeição em relação aos nossos pequenos são históricas. Estão em toda a parte. A boca materna que beija o filho é também fonte de doces palavras de consolo. O beijo de mãe é signo de confiança, de abandono, de certeza que não há nada a temer. É de senso comum que o movimento em relação à criança seja o de interação. Nós a tocamos, acarinhamos, embalamos e cobrimos de carícias. Se ela cai ou chora, na escola ou no jardim, é imediatamente alvo de solicitude. Seu rosto é o espaço privilegiado das demonstrações de ternura materna. É nas faces ou na testa que depositamos nossos beijos. Ele consola a criança de uma queda ou de uma necessidade. Se ele não é dado no momento certo, no momento em que é mais esperado, sua ausência abre uma ferida da qual, adulta, ela ainda se lembrará. Sua ausência é a prova terrível deixada por uma mãe indiferente ao seu filho ou filha. É o testemunho silencioso de uma mulher apenas preocupada consigo própria.

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Não tendo, pois, concedido a consolação e o alívio necessários, a dor continua a irrigar o presente, alimentando a queixa de falta de amor. Em lágrimas, homens e mulheres se lembrarão da criança magoada que não recebeu, um dia, a marca do carinho ilimitado de mãe. Desta falta, eles sofrerão sempre.

Os leitores de Proust hão de lembrar o personagem do pequeno Mareei que, para não dormir sem o beijo materno, empregava toda a sorte de artimanhas. Proust descreve com perfeição a dimensão de segurança e de reconhecimento no olhar deste outro que é a mãe, doadora simbólica de beijos. Como bem diz certo filósofo, o medo de uma noite assombrada pela solidão do sono é, dessa forma, pacificado pelo gesto tradicional da mãe que, ao transformar a angústia em rito, tranquiliza a criança diante de um mundo privado de pontos de referência e abandonado às criaturas que habitam seus pesadelos. O beijo de mãe é também um viático diante das turbulências do dia que começa na porta da escola. É um passaporte de alegria para o difícil amanhecer da infância. Aos sete ou oito anos, a criança não quer mais tantos beijos. Ela se proclama independente dos carinhos da mãe. À medida que a puberdade se aproxima, os interditos sociais fazem o restante da separação.

Divididas entre os múltiplos papéis que nos são exigidos, corremos cada vez mais o risco de não estarmos lá na hora do beijo de mãe. Ao voarmos para não chegarmos atrasadas no emprego ou ao voltarmos, exaustas, deste, esquecemos tantas vezes o gesto simples e reconfortante. Como para o pequeno personagem do romance de Proust, o beijo não é um capricho, mas um rito que, como todos, tem algo de sagrado. Debruçada sobre o leito infantil, a mãe estende o rosto como quem estende uma hóstia para a comunhão. Diferente do beijo do príncipe, que acorda, o beijo de mãe adormece. Um como o outro tem poder de vida e de morte. Tudo depende de estarmos presentes ou não. Para a criança: antes de tudo, o beijo. – Mary del Priore (“Histórias do Cotidiano”).

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“A Virgem das Uvas”, de Pierre Mignard.

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