Em busca da mulher perfeita

O Jornal do Commercio, em 1888, publicava os dez mandamentos da mulher. Vejamos alguns:

“1º. Amar a vosso marido sobre todas as coisas…2º.Não lhes jureis falso…3º. Preparai-lhe dias de festa…4º. Amai-o mais do que a vosso pai e mãe…9º. Não desejeis mais do que um próximo e que esse seja teu marido… Não faltavam conselhos para o sexo “frágil” na imprensa daqueles tempos. A mulher deveria ser uma boa dona de casa, além de prendada e reservada. “Qualquer mulher de moralidade suspeita deveria ser evitada. Era indicado, também, proibir a entrada de qualquer homem dentro de um quarto de mulher, com exceção de padres e médicos que não eram considerados homens. Sendo o casamento indissolúvel, o contato com divorciadas e separadas, consideradas maus exemplos, poderia ser perigoso. Reforçava-se o medo das perdidas”, conta Mary del Priore.

Pois bem, passou-se mais de um século desde o Império, mas parece que o modelo de mulher perfeita não mudou tanto…É claro que hoje valoriza-se a companheira financeiramente independente, que pague parte das contas. Outra coisa: a mulher deve gostar de sexo. As revistas femininas vivem aconselhando: se “ele” não encontrar em casa o que lhe agrada, vai procurar na rua. E dá-lhe receitas mirabolantes para apimentar as relações e prender seu homem. A aparência é muito importante. Tanto as publicações femininas quanto as masculinas exaltam que atualmente só é feia quem quer, afinal há inúmeros recursos para aprimorar o que a natureza nos deu. Infelizmente, a beleza se tornou uma obrigação feminina, assim como o sexo “ardente”.

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Agora, a mulher não pode ser uma “vadia”, não deve ser “rodada” demais ou o homem corre o risco de ser traído. Nesse ponto, os homens de hoje e aqueles do século XIX estão de acordo. Tenho encontrado nas redes sociais uma série de textos e fóruns de debate dirigidos ao sexo masculino em que são dados conselhos práticos de como escolher uma namorada para um relacionamento sério. Algumas profissões, na visão deles, são perigosas: aeromoças, enfermeiras, vendedoras, modelos e por aí vai. Outros indícios de que a mulher não é de confiança: beber ou fumar, ter tatuagem, usar roupas muito ousadas e…ser feminista! Tudo isso pode levar à promiscuidade.

A mensagem principal é de que o homem deve manter o controle da relação. É preciso escolher a mulher certa, aquela que aceite ser submissa ao marido/namorado/amante, mesmo sendo bonita, bem sucedida e sexualmente ativa. Pelo que tenho visto, o esse é o modelo da mulher perfeita nos dias atuais, ao menos, em muitas cabeças masculinas (não todas, felizmente). Os gurus da pegação, aqueles que dão conselhos para que os homens tenham sucesso na vida amorosa, ensinam exatamente isso: como dominar as mulheres. Como acabar com sua autoestima até o ponto em que elas aceitem o impossível. Afinal, ainda somos consideradas frágeis e facilmente influenciáveis.

Parece que percorremos um longo caminho, adquirimos o direito ao prazer e o acesso ao mercado de trabalho, mas ainda existem aqueles que esperam que sejamos tão submissas quanto as esposas dos tempos imperiais…Isso, se não queremos ser tratadas como “vadias”. Mulheres sozinhas são vistas como presas fáceis. Nessa semana, ganhou repercussão o caso em que uma moça foi agredida com uma garrafa por se recusar a beijar um homem na balada! Temos que lutar pelo direito de dizer “não”, de escolher, de usufruir da nossa liberdade como quisermos.

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Enfim, em um dia de balanços e retrospectivas, fica a sensação amarga de que entramos em uma luta acima de nossas forças. Mas, não devemos ser pessimistas, nem desanimar, a História nos ensina que as mudanças culturais e comportamentais são sempre muito lentas. Muitos homens e mulheres já entenderam que a busca pelo par perfeito não passa de mais uma armadilha no caminho para uma sociedade mais justa e menos hipócrita.

Feliz 2015!

Márcia Pinna Raspanti.

francesasXIX

Mulheres do século XIX: recato e dedicação. 

 

 

 

2 Comentários

  1. Fátima

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