As “moças de família”

Nos anos 50 e 60, o modelo feminino valorizado era da “moça de família”. “Dar-se ao respeito” era a palavra de ordem. Não casar era sinônimo de fracasso e interromper carreira, na chegada do primeiro filho, considerado normal. A opinião do grupo e da família contava muito; poucas se casavam contra a vontade da família. O sonho era casar na igreja de véu e grinalda, símbolo da pureza. Razões para fazê-lo? O juízo, nunca a paixão, considerada passageira. Filmes e revistas inspirados em “fatos reais” contavam o triste desenlace dos que queriam romper com a norma. O avesso da moça bem-comportada para casar era a “galinha, a maçaneta, a piranha ou vassourinha”.

Os homens continuavam presos aos tradicionais esquemas: aqueles que achavam muita facilidade por parte das escolhidas se desencantavam. No século da velocidade, as mulheres muito “dadas”, “pensando que a dar muito, muito agrada”, acabavam sem atrativos nem mistérios. A longa espera, as dificuldades, a recusa em nome da pureza eram os ingredientes que atraíam o sexo masculino. Cabia especialmente à jovem refrear as tentativas desesperadas do rapaz, conservando-se virgem para entrar de branco na igreja: “Evite a todo custo ficar com seu noivo […] a sós quando deixam-se levar pela onda dos instintos para lastimarem mais tarde, pela vida toda […] vocês cometem o crime de roubar ao casamento, sensações que lhe pertencem, correndo o risco de frustrar a vida matrimonial”, sublinhava O Cruzeiro no mesmo ano. Nada de “cair” ou “proceder mal” – eufemismos para o ato sexual –, quer por confiar no noivo, quer por temer que ele fosse se “satisfazer nos braços de mercenárias”. O resultado era sempre ruim: “do romance tão auspiciosamente começado restarão pessoas desiludidas e infelizes”.

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Como se vê, foram séculos de modelagem. Na forma, a figura da esposa. Não a real, mas a ideal. Submissa, obediente, discreta. A mulher certa. Apenas ela merecia ser a mãe dos filhos, a santa no altar doméstico. Vivia cercada de produtos para ajudá-la a se manter em casa: geladeiras, televisões, sabões que lavavam mais branco e chocolates solúveis. A maior parte delas, entre 18 e 24 anos, leitoras de revistas femininas e pertencentes à classe média, eram casadas ou desejavam se casar, segundo uma jornalista da época, “aceitando com masoquismo uniões claramente destinadas ao fracasso total”.

Mas a serpente voltava ao paraíso. A modernidade introduzira um leque de frustrações entre as mulheres. Na revista Cláudia, nas bancas de jornal desde 1961, a jornalista Carmem da Silva, na seção “A arte de ser mulher”, tomava a temperatura:

 Não é necessária muita perspicácia para perceber sintomas de insatisfação nas mulheres de hoje. Casadas e solteiras, ociosas e trabalhadoras, estudantes e profissionais, artistas e donas de casa todas elas em algum momento deixam transparecer resquícios de frustração, um desejo ora nostálgico ora invejoso, de outra existência diferente, outro caminho distinto ao que escolheram – como se a felicidade estivesse lá.

E Eva mordeu a maçã, de novo. Até os anos 1960, a sexualidade devia se realizar por meio do casamento, e a mulher que se entregasse a um homem fora dele era dada como perdida. Conta a escritora e psicanalista Betty Milan :

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A virgindade era sagrada. Na prática, isso significava sexo vetado para os namorados ou noivos e obrigatório para os cônjuges. Tratava-se de uma dupla condenação. Na vida de solteiro, sexo limitado aos prolegômenos. Na vida de casado, o sexo regido pela obrigação. Não existia liberdade, e foi contra isso que a revolução dos anos 1960 se fez. Ela foi condicionada por duas descobertas médicas: a penicilina, que nos liberou do medo da sífilis; e a pílula, que nos liberou do medo da gravidez. O que caracterizou esse movimento foi a sua amplitude. Era uma reivindicação aberta, divulgada com estardalhaço na imprensa, cujo papel foi fundamental.

O movimento libertário, que teve o seu apogeu em maio de 1968, nas ruas de Paris, dividiu as águas em relação ao casamento. De um lado estavam os tradicionalistas; de outro, os ditos “revolucionários”, que apostavam na conquista da liberdade e relegavam a união a dois a um plano inferior. Para nós, revolucionários, grupo evidentemente minoritário, o vestido de noiva era um arcaísmo e a meta de se casar e constituir família, secundária. O nosso imaginário era totalmente diferente do imaginário dos nossos pais, que sacralizava a instituição do casamento, favorecendo os amores clandestinos. O que nós queríamos, à diferença deles, era o amor livre, cuja trombeta soprávamos com disposição inigualável.

O sexo primava sobre o amor, e a hipocrisia implícita no modelo anterior do casamento era desqualificada. Questionávamos de várias maneiras a fidelidade e pregávamos com fervor a lealdade. Em outras palavras, apostamos tudo no gozo, sem desconfiar que este poderia nos escravizar. Na verdade, escapamos à repressão imposta às gerações anteriores, mas nos tornamos vítimas do nosso ideário. O homem era forçado a ter uma atividade sexual intensa, e a mulher, para demonstrar liberdade, precisava dizer sim a todas as propostas masculinas. Insensivelmente, passamos do sexo proibido ao sexo obrigatório. – Mary del Priore

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  1. Josiane Castro Gonçalves

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