As mães perfeitas

Por Karoline Carula.

Quem nunca escutou a frase: “Ser mãe é padecer num paraíso”? Extraída da poesia “Ser Mãe”, de Coelho Neto (1865-1934), ela consagrou como positiva a imagem da mãe que se anula, dedicando-se unicamente aos filhos.

Entretanto, nem sempre foi assim. No século 19, buscava-se incutir na cabeça das mulheres que o seu principal dever era cuidar dos filhos. Foi com esse objetivo que o médico Carlos Antonio de Paula Costa (1844-?) fundou e dirigiu,na cidade do Rio de Janeiro, o jornal A Mãi de Familia.

Diferente dos demais jornais voltados para o público feminino, geralmente de curta duração, A Mãi de Familia circulou entre 1879 e 1888, indicando sua boa aceitação. Era vendido não só no Rio de Janeiro, mas também em outras províncias, como São Paulo e Minas Gerais.

A publicação se dispunha a colaborar com as famílias exercendo o papel de médico, mestre e de costureira. No caso da função de médico, apresentava quais os cuidados que as mães deveriam ter com relação às doenças típicas da infância, e, em casos mais sérios, como deveriam agir até a chegada do médico. Enquanto mestre, era tornar público o preconizado pelos educadores modernos e antigos. E, por fim, oferecer moldes para a costura de roupas infantis, a fim de que a mãe pudesse confeccioná-los e, assim, economizar nos gastos domésticos.

Para Carlos Costa, médico e redator de A Mãi de Familia, a maternidade constituía a “única” e “sublime” missão confiada às mulheres. Vistas apenas como mães, nenhum outro papel poderia ser desenvolvido para garantir o desempenho adequado da maternidade. O dever, entretanto, não era satisfatoriamente cumprido, algumas “por vaidade, outras por pobreza e finalmente muitas por desculpada ignorância”, isso porque elas não tinham os conhecimentos necessários. Logo, educar a mulher representava uma tarefa fundamental.

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Carlos Costa sustentava que o país só iria progredir se houvesse uma profunda mudança no direcionamento físico e moral da mulher brasileira. Para desenvolver o Brasil era essencialeducar primeiramente a mãe, pois ela que educaria os futuros cidadãos.

Na interpretação do redator de A Mãi de Familia, a educação salvaria o país da degeneração social e moral no qual caminhava. Somente quando as mulheres se colocassem “à frente de uma cruzada regeneradora”, quando atuassem de maneira “patriótica” e se engajassem na educação, sobretudo de suas filhas (as futuras mães de famílias), o país poderia ser salvo.

A Mãi de Familia, portanto, tinha o papel de colaborar na educação da mulher, no intento de ensiná-la a desempenhar adequadamente a sua maternidade. Contudo, o raio de ação dessa educação estendia-se além do espaço privado, estaria também no plano da esfera pública, pois a mãe bem instruída poderia bem educar seu filho, que se tornaria um bom cidadão e, desta maneira, contribuiria para o progresso do país. Embora o público leitor da folha fosse composto pela elite, esperava-se que esta levasse o conhecimento adquirido às mães menos favorecidas da sociedade.

Já nos primeiros números de A Mãi de Familia, Carlos Costa delineou um tema que estaria presente em todas as edições seguintes: as mulheres não exerciam satisfatoriamentea função de mães. Era recorrente descrevê-las como negligentes ao desempenhar o único e natural papel que podiam ter: a maternidade

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O redator criticava as mães que reclamavam das crianças,as quais estariam interferindo em sua vida social ao impedirem que saíssem de casa. Agindo dessa maneira, essas mulheres seriam pecadoras e não cumpridoras desua sublime tarefa. Condenava as mães por não amamentarem e não educarem seus filhos.

Valorizava-se a vida doméstica, a reclusão ao ambiente do lar era vista como benéfica, pois a mulher estaria se dedicando integralmente às tarefas que naturalmente lhe cabiam. As que dedicavam seu tempo às atividades que só a elas interessavam, não trazendo benefícios à família, estariam ausentando-se da função materna correta. Tal atitude fazia com que fossem execradas pelo jornal, o qual apresentava os males físicos e morais decorrentes desse comportamento.

Os artigos, constantemente enfáticos, mostravam que em muitos casos a consequência do desleixo materno poderia ser fatal. Pretendia-se, por meio de uma fala promotora de medo e pânico, deixar as mães alertas para o problema.

Em contraposição, a boa mãe relegava a vida social para se dedicar exclusivamente à criação dos filhos, seguindo, para isso, os conselhos ditados pela medicina.

Não seguir os ensinamentos estipulados pela medicina e não buscar a ajuda dos médicoseram outros motivos para desqualificar as mães. Carlos Costa recriminou as muitas mulheres “inteligentes e bem educadas” que procuravam os conselhos das “comadres” e dos “curandeiros” em vez do médico. Para ser uma boa mãe e conseguir cumprir seus deveres estabelecidos pela natureza, a mulher deveria seguir as recomendações da medicina. Segundo Carlos Costa, o médico exerceria na sociedade um papel semelhante ao do pedagogo, e a mãe constituía-se na sua principal aliada no processo de implantação de uma maternidade correta.

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Enfim, com o objetivo de educar e instruir as mães da sociedade do Rio de Janeiro nos preceitos da medicina, A Mãi de Familia recorreu à estratégia de apontá-las como desnaturadas. Seus hábitos sociais foram alvos de severas críticas, que classificavam as mulheres frequentadoras de bailes, teatros e passeios como egoístas e ignorantes, pois só podiam tomar uma atitude daquela por desconhecimento dos males físicos e morais que esses hábitos poderiam trazer tanto à mãe quanto à prole.

A mãe perfeita, que se esperava encontrar na sociedade,deveria seguir os conselhos estipulados pela medicina. Anularia suas vontades pessoais e se dedicaria apenas aos filhos, educando-os adequadamente. Sempre tendo em mente que com isso estaria colaborando para o progresso do país.

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“Madona e criança”, de Pompeo Batoni.

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