Quando a mulher começou a reivindicar sua participação na política, seu direito de votar e ser votada, um dos argumentos mais usados por aqueles eram contrários ao movimento sufragista feminino era de que o “sexo frágil” não tinha estabilidade emocional para isso. Extremamente sensíveis, fracas, influenciáveis, os conservadores acreditavam que seria uma temeridade “sobrecarregar” as mulheres com tais preocupações. E ainda hoje percebemos que existe uma tendência de se atacar as mulheres que atuam na política por seu suposto desequilíbrio. Antes de continuar o meu raciocínio, quero deixar claro que esse não é um texto sobre política partidária, mas sobre misoginia. Vamos tentar analisar as questões sob um ponto de vista mais amplo, por favor?
Há poucos dias vimos uma revista semanal criticar a presidenta Dilma por sua instabilidade emocional. A reportagem, baseada em boatos, quer passar a ideia de que Dilma estaria completamente descontrolada e, portanto, sem condições de governar. Outra revista, há alguns meses, fez uma maldosa relação entre as dificuldades de articulação política da presidenta e sua vida sexual Nessa mesma semana, a advogada que participou da elaboração do impeachment faz um discurso um tanto bizarro e logo ela foi classificada como “louca”. Ora, concordando ou não com suas palavras, ela não fez nada diferente do que muitos religiosos que entraram para a política fazem: gestos exagerados, citações da Bíblia, demonização dos inimigos. Não existe loucura nisso, apenas marketing.
Mas, de onde vem essa associação entre mulheres e loucura? De muito longe, infelizmente. Desde a Antiguidade há registros sobre o tema. Na verdade, o poder da sexualidade feminina sempre assustou. O útero, a capacidade de gerar vidas, a menstruação, todos esses “fenômenos” eram vistos como algo indecifrável e perigoso. Uma mulher precisava ser controlada, antes de tudo. “A história do conceito – e não a realidade nosológica – do chamado ‘mal histérico’ ou ‘sufocação da madre’ (útero) começou na célebre passagem do Timeu, na qual Platão comparava a matriz a um ser vivo, um animal irrequieto. Já na alta Idade Média, reelaborado pelo corpo hipocrático, divulgava-se o conceito de um mulierum affectibus, sublinhando os movimentos da madre que, ao entrar ‘em simpatia’ com as partes superiores do corpo, bloqueavam a garganta, provocando a ‘sufocação’ e perturbações sensoriais”, explica Mary del Priore, em “Ao Sul do Corpo”.
Os médicos medievais acreditavam que a sufocação da madre era, sem contestação, uma enfermidade decorrente da continência e, portanto, da rejeição ao casamento e à procriação. “O Viaticum, redigido em 1551 por Constantino, o Africano, afirmava que do esperma acumulado e não transformado em matéria prolífica nascia uma fumaça que subia ao diafragma, intervindo a sufocação”, prossegue a historiadora. Ou seja, a mulher que não se casasse e tivesse filhos estaria condenada à histeria e à loucura. No século XIX, a qualquer reação emocional, a mulher era chamada de a “mulher histérica”, tendo se tornado moda entre as de elite, “ataques” quando da saída de um enterro ou da chegada de notícia ruim, conta Mary.
Quem não se enquadrasse no modelo frágil, bonita, sedutora, boa mãe, submissa e doce era classificada como antinatural. Tantas mulheres poderosas ou ambiciosas foram consideradas loucas. D. Maria I, “a louca”, é o exemplo mais lembrado. Depois de várias tragédias familiares, a rainha, que muito fez pelas ciências e a cultura em Portugal, foi considerada demente e incapacitada de exercer o poder. E passou para a História como tal. De que será que ela sofria? Não saberemos. Carlota Joaquina, sua nora, ambiciosa e de gênio difícil, também foi considerada insana. E também ninfomaníaca. A doce Leopoldina padecia de “melancolia” ou simplesmente sofria com o marido infiel? Obrigada a aguentar tantas humilhações, poderia ela ser alegre? E a princesa Isabel não foi também massacrada pelo machismo vigente? Era considerada beata e submissa ao marido, portanto, incapaz de exercer o poder.
Em outras palavras, uma mulher no poder é sempre massacrada. Se é firme e incisiva, é lésbica. Se é doce e educada, é fraca. Se é religiosa, sempre será fanática. Se é controlada, é fria. Isso não ocorre apenas no Brasil. Hillary Clinton é chamada de desequilibrada nos EUA. Cristina Kirchner era tratada como ninfomaníaca pelo seu estilo exuberante. E Angela Merkel? Quantas especulações já foram feitas sobre a sexualidade de presidentas ou figuras políticas proeminentes. Pode-se dizer que homens também sofrem com comentários maldosos sobre sua sexualidade. É verdade, mas se forem “garanhões”, tudo é perdoado. O problema é se forem homossexuais, porque assim teriam incorporado as características femininas: fraqueza, covardia, desequilíbrio…
Até quando as mulheres (de direita, de esquerda, de centro, sem cor política) irão suportar tanta misoginia? Não importa se você gosta de Dilma ou de Janaína, de Hillary ou de Madre Teresa de Calcutá. Queremos ser julgadas pelas nossas competências e habilidades e não pelo nosso comportamento, vida sexual ou nosso visual. Não está na hora de impor nosso valor??? – Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Dilma, D. Maria I e Carlota Joaquina: todas insanas???
Parabéns pelo texto pertinente para o momento e impertinente para outros (como pude ler aqui). Sinto-me aliviada em ver que não sou a única a criticar essa retórica de adjetivos valorativos que tomou conta do cenário nacional e substituiu o argumento baseado nos fatos. A mulher tem assumido postos na política brasileira que ainda são de domínio masculino. Estamos assistindo a violência da misoginia existente em todas tendências, inclusive na esquerda (supostamente mais esclarecida quanto à questão de gênero). Dilma, Marina, Janaína Pascoal, Graça Foster, Luiza Erundina… são alvo dessa guerra retrógrada de destruição de reputações e desqualificações pelo fato de serem mulheres.
Sem dúvida, Joelza. A misoginia está presente nas mais diversas tendências políticas, infelizmente. Obrigada!
A Humanidade e a Mulher: Tratada como um ser inferior, assim como o negro, o índio, o homossexual. Preconceito por quê ? Por medo de nos descobrisrmos talvez seres mais inteligentes?
Marcia, sua pagina me incomoda. leio eventualmente, ; acho artigos rasos, que nada dizem ou partidarios como esse. Não concordo com seu modo de pensar, vejo que promove apenas uma escritora, que provavelmente tem vinculo com vc. Ja tentei excluir vc sem exitop. Peço agora. Não me mande mais seus emails. São perda de tempo e nada tem de academicos.
Cláudia, não mandamos emails a ninguém. Talvez, você seja avisada quando respondemos aos seus cometários, mas nunca mando emails a respeito de nossas postagens. A página é uma parceria entre mim e Mary del Priore, portanto, há muitos textos nossos – mais dela, por ter uma produção muito mais vasta. É um blog que discute temas ligados à História do Brasil, não é um espaço para artigos acadêmicos, essa realmente não é nossa proposta. E, sim, há opiniões pessoais, não acho que isso seja incompatível com um blog. Mas você tem todo o direito de não gostar e não ler. Você tentou me excluir de onde, não entendi? Você recebe emails em nome do blog HistóriaHoje.com?
Texto maravilhoso. Desde que Dilma assumiu a presidência tem sido vítima desse sistema de pensamentos perverso, estrutural. Interessante aqui uma comparação durante a última campanha presidencial em que contrapuseram Dilma e Marina, dentro da campanha do próprio PT houve um deslocamento para esteriótipos masculinos em Dilma pela campanha da sua coligação para tornar Marina a desequilibrada, a frágil, a chorona. Em alguns momento viam-se a reprodução de termos como “Dilmão” contra a “fanática” religiosa, a crente que “odiaria” as LGBTs e pautas feministas. Quer dizer, duas vítimas, colocadas em razão de disputa de energias de gêneros em lugar do contraditório pelas pautas políticas que defendiam. O debate não caminhou pela abordagem das ideias em nenhum momento.
Com Janaína Pascoal, há essa seletividade na abordagem, o que perigoso em dois aspectos. Primeiro, por aprofundar essas atribuições criminosas de desnivelamento de gênero (já que o rebaixamento da mulher, a sua objetificação, a sua caracterização como estúpida ou louca sempre vêm acompanhadas de violência física e morte [a perversão do simbólico intensifica o desprezo da vida, né]). Segundo, por se deixar de abordar criticamente um discurso versado por esse marketing que você desvela no texto e que nos impossibilita de lidarmos criticamente com algo, que é muito perigoso, a desconsideração de critérios nessa panaceia política e a validação do vale tudo para derrubar o adversário. O discurso de Janaína Paschoal nos mostra como não há da parte dela o menor interesse nos critérios jurídicos indispensáveis a tipificação do impeachment, nos mostra como tudo é meramente político partidário.
Sempre nessas discussões, fica a pergunta: qual o interesse em deslocar do discurso ao personalismo de gênero quando o assunto é mulher na política? Se com Dilma e Marina foi para afundá-las, aqueles mesmo que agora têm Janaína Paschoal como aliada o fazem, mas por outros motivos. Por que de se querer que muitos pontos passem desapercebidos?
Questões a serem pensadas, sem dúvida. E temos que acrescentar que vivemos tempos em que a destruição de reputações, o xingamento e a desqualificação tomaram o lugar do debate de ideias. No caso das mulheres, isso adquire contornos inacreditáveis.
Excelente comentário, lamentável a ignorância política de muitos brasileiros que não entendem e nem querem conhecer a história .
Caríssima Márcia, sempre que posso, leio os textos desta página. Dos muitos livros da Mary Del Priori, li e recomendo vários, especialmente os últimos que tratam da família imperial. Todavia, neste momento, me incomoda muito o seu texto, naquilo que – a meu ver – tenta deslocar a loucura de Janaína Paschoal (sim, eu, assim como um monte de gente, considero mesmo coisa de louca) com a atuação política e exercício de poder de outras mulheres. Quando tanta gente a chama de louca, o faz não pelo fato de ser mulher, mas pela própria postura e fala! Ora, o que é aquilo?! A mim, me parece loucura mesmo! E não podemos comparar a “loucura” dela com a ação de outras mulheres, a exemplo de D. Maria I, Carlota Joaquina ou Leopodina.
Oi, Paulo. Vamos ser sinceros: quantos homens – nessa linha religiosa-política – usam esse mesmo tipo de retórica? Seria interessante debatermos as ideias colocadas por ela e não fazermos especulações sobre sua sanidade mental – afinal, boa parte de quem a chamou de “louca” não tem condições técnicas de avaliar a condição mental de ninguém. Não sou psiquiatra, mas não vejo loucura na fala de Janaína, mas exploração de uma retórica que tem grande penetração na sociedade brasileira – gostemos ou não. Não estou comparando figuras históricas (será que alguém se lembrará dessa moça no futuro? Só o tempo dirá), mas colocando uma questão importante quando falamos da participação feminina na política. Obrigada pelo seu comentário.