As calçadas das nossas cidades: perigo e desrespeito ao patrimônio

Por Natania Nogueira.

No início do século XX, muitas cidades não possuíam nem mesmo calçadas. Estas foram sendo, aos poucos, adaptadas às necessidades de circulação urbana, mas ainda hoje pecam principalmente pela má conservação. Quem nunca se deparou com uma situação como esta: calçadas cheias de mesas e cadeiras, lotadas de camelôs, tomadas por entulho, material de construção, lixo ou simplesmente esburacadas? Imagino que em todas as cidades brasileiras uma ou todas estas condições sejam comuns.

Mas quem é responsável pela manutenção das calçadas no Brasil?

Calçadas são vias públicas, portanto um patrimônio público. Sendo assim, tanto sua feitura quanto sua conservação deveriam ficar a cargo dos municípios. No entanto, leis municipais geralmente determinam que pavimentação e a conservação das calçadas sejam realizadas pelos moradores do imóvel que fica localizado onde ela se encontra. O dono do imóvel pode ser multado em caso de má conservação e ocupação irregular de uma via pública. Ele pode até responder criminalmente em caso de acidente causado, por exemplo, por um buraco na calçada.

Vejamos o exemplo da cidade de São Paulo. A lei 15.442/12 estabelece o tamanho das calçadas em 1,20 m. Há penalidade de R$ 300,00 para cada obstáculo dentro dessa faixa (como caixa de correio ou lixeira). Para completar, lixos e detritos sobre a calçada também são passíveis de sanções, no valor de R$ 4,00 por metro quadrado que ocupam. A prefeitura de São Paulo disponibiliza uma cartilha com as diretrizes a serem seguidas na pavimentação e manutenção das calçadas.

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Mas apesar da existência de punição há quem ache mais barato pagar a multa do que conservar a calçada. A fiscalização também fica a desejar. Muitas prefeituras, principalmente nos grandes centros urbanos, não têm pessoal disponível para realizar o serviço. Daí, multiplicam-se os acidentes.

Quem não se lembra do acidente sofrido pela atriz Beatriz Segall, em 2013, em uma calçada enquanto caminhava? E não são apenas idosos que se acidentam. Eu, Por exemplo, já tive minha cota de tombos causados por buracos ou rachaduras na calçada, com direito a arranhões e hematomas. E os relatos são inúmeros. Basta fazer uma busca rápida na internet. Em cidades grandes e pequenas, por todo o Brasil há casos de pessoas que tiveram de pequenas escoriações a fraturas graves porque havia um buraco no caminho ou porque tiveram que desviar de algum obstáculo colocado na calçada.

Um estudo realizado pela Gold e pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) chamado “Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas Brasileiras”, entre os anos de 2002 e 2003, avaliou o perigo que os pedestres correm quando caminham pela cidade.  Segundo o estudo, um acidente de trânsito é um “evento ocorrido na via pública, inclusive calçadas, decorrente do trânsito de veículos e pessoas, que resulta em danos humanos e materiais. Compreende colisões entre veículos, choques com objetos fixos, capotamentos, tombamentos, atropelamentos e queda de pedestres e ciclistas”.

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Assim, uma queda numa calçada, resultado a má conservação ou da presença de algum obstáculo, configura um acidente de trânsito. As vítimas desse tipo de ocorrência têm o direito de cobrar uma indenização pelos danos sofridos.

O estudo feito pela Gold e pelo IPEA traz alguns dados interessantes. Por exemplo, nove a cada mil moradores de cidades brasileiras sofreram quedas como pedestres. E há um custo para os cofres públicos. Estimou-se que o resgate e o tratamento de cada um deles resultavam num gasto aproximado de R$2.656,00. Isso há mais de uma década!

Dados mais reventes podem ser encontrados no relatório final da campanha “Calçadas do Brasil”, realizada em 2012 pelo portal Mobilize Brasil. O objetivo da campanha era avaliar a situação das calçadas brasileiras. Foram avaliadas 228 ruas em 39 cidades do país. O resultado foi pior possível: numa escala de zero a dez, as calçadas brasileiras receberam nota 3,4.

Calçadas são utilizadas como estacionamento, e pedestres têm, muitas vezes, que se arriscar na pista para poder passar. Obras irregulares colocam os transeuntes em risco, por ocuparem a calçada com entulho, pedras e areia. Em Curitiba (Paraná), por exemplo, uma agência bancária em obras se achou no direito de ocupar toda a calçada com blocos de pedra, impedindo a passagem.

A legislação vigente em cada município pode autorizar a donos de estabelecimentos como bares, hotéis e restaurantes coloquem mesas e cadeiras nas calçadas, mas estes não podem se tornar obstáculos para os pedestres, nem podem impedir a acessibilidade. Há casos em que a via pública sofre apropriação indevida. Em uma viagem recente ao Maranhão, uma amiga se deparou, na cidade de Barreirinhas, com estabelecimentos comerciais construídos nas calçadas. Ela me enviou algumas fotos. Nelas, é possível ver a calçada (via pública) transformada, por exemplo, em bares.

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Outro caso vem de Recife (Pernambuco), onde após a prefeitura ter realizado a recuperação de uma rua, o dono de uma lanchonete ocupou irregularmente a calçada ao chumbar mesas, cadeiras e jarros no passeio público. O proprietário do estabelecimento foi multado, e as cadeiras e mesas retiradas, mas como este há muitos outros casos por todo o Brasil. É o patrimônio público utilizado para fins privados.

Faz parte da educação patrimonial a conscientização de todos com relação ao patrimônio público e isso inclui as vias. Os poderes públicos devem manter seu compromisso com o bem público e nós devemos zelar pela preservação das vias da nossa cidade, denunciar o descaso, exigir o cumprimento da lei. Pequenas ações que podem melhorar a qualidade de vida e colocar nosso país do caminho do tão aclamado desenvolvimento.

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Via pública ocupada indevidamente, Barreirinhas (MA) – (Foto cedida por Luisa Arantes Bahia).

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