Acidentes, mortes “suspeitas” e “teorias da conspiração” na política brasileira

Morreu ontem, em um acidente aéreo, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. A triste notícia inspirou muitas teorias e especulações sobre as circunstâncias que envolveram o acontecimento. A internet foi tomada por explicações e narrativas, algumas coerentes, outras extremamente fantasiosas. Porém, mesmo antes da chegada da internet, o brasileiro (e não apenas nós) já era adepto das “teorias da conspiração” em face das tragédias envolvendo personagens da vida política.

          A nossa primeira imperatriz, D. Leopoldina, morreu em dezembro de 1826, em decorrência de complicações de um aborto espontâneo. Querida pelo povo e humilhada pelo romance do marido com a Marquesa de Santos, Domitila de Castro, a partida da jovem austríaca suscitou inúmeras especulações. Falou-se até que D. Pedro I a teria agredido, jogando-a de uma escada. Uma suposta fratura teria infeccionado e seria a causa do óbito. Tal “lenda” foi totalmente descartada com a exumação do corpo de Leopoldina, que ocorreu em 2013. Na época, entretanto, a população revoltada culpou o imperador e, sobretudo, sua amante pela doença fatal da imperatriz. Conta-nos Mary del Priore, em “A Carne e o Sangue”:

Domitila, mas, no auge da crise, (…) quis entrar na câmara da doente. (…) Conseguiram barrar-lhe a passagem, mas Titília, por sua vez, não deixou que a jovem mãe, em agonia, visse seus filhos.

A notícia correu sobre um rastilho de pólvora. A aparência do povo não era mais desordenada, curiosa, inquieta. Era ameaçadora. Queria vingança contra aquela que era considerada a causa da morte da querida imperatriz. Corria que a concubina se mancomunara com o cirurgião-mor para envenenar a imperatriz; que o verdadeiro príncipe tinha sido trocado pelo bastardo. Cartas anônimas agora eram endereçadas aos ministros. Estes reagiram, falando em afastar Titília da corte. Dois tiros foram disparados sobre um dos cunhados da marquesa de Santos, o coronel Oliva. Em fúria, a multidão dirigiu-se a São Cristóvão. A casa da marquesa foi cercada e apedrejada. Chamaram-se reforços. Vieram patrulhas de cavalaria proteger os muros e portas do palacete.

          Em um passado mais recente, foram os acidentes, aéreos ou rodoviários, que mais suscitaram especulações sobre mortes “suspeitas”, na opinião dos brasileiros. O primeiro presidente da ditadura militar, Humberto de Alencar Castelo Branco, morreu em um julho de 1967, vítima de “uma colisão entre dois pequenos aviões”, no Ceará, como nos conta Thomas Skidmore, em “Brasil: de Castelo a Tancredo”. Em uma época de ebulição política e controle da imprensa pelo governo, não faltaram teorias conspiratórias sobre o ocorrido: como o bimotor que levava o ex-presidente foi atingido por um caça da FAB, muita gente jura que houve um atentado provocado por brigas internas nas forças armadas…

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Juscelino Kubitschek perdeu a vida em um acidente na rodovia presidente Dutra. A versão oficial, contudo, sempre gerou desconfianças. Como JK era um político que tinha grande prestígio junto à população, muitos acreditam que os militares teriam planejado um atentado para que ele deixasse o cenário político. Em 2013, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo divulgou documento declarando houve o  “assassinato de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, vítima de conspiração, complô e atentado político”. No ano seguinte, após dois anos de investigações, a Comissão Nacional da Verdade concluiu que a morte de JK teria sido acidental e não houve participação do governo militar.

Deposto pelo golpe militar de 1964, João Goulart morreu doze anos mais tarde no exílio, no município de Mercedes, na Argentina. O laudo oficial indicou infarto, como causa da morte. Houve muitos rumores de que ele havia sido envenenado, e a própria família desconfiava que o ex-presidente teria sido assassinado, em uma ação da Operação Condor. A Comissão Nacional da Verdade decidiu exumar o corpo do ex-presidente no final de 2013 para a realização de exames toxicológicos, mas não foram encontrados vestígios de substâncias venenosas. Os resultados foram, entretanto, considerados inconclusivos. Mais combustível para as mentes criativas…

Outra figura da nossa política cuja morte despertou desconfianças foi Tancredo Neves. Pouco antes de tomar posse, em 1985, o primeiro presidente civil, eleito de forma indireta após a ditadura militar, foi internado em função de uma diverticulite intestinal. Ficou 38 dias internado e passou por sete cirurgias antes de morrer, em 21 de abril. Houve quem acreditasse em envenenamento, e até levantou-se a hipótese de que Tancredo teria levado um tiro. A lista é extensa, pois especulou-se sobre a morte várias figuras políticas ao longo da nossa história. Dois acidentes aéreos marcaram o país: Ulysses Guimarães, cujo corpo nunca foi encontrado, sofreu uma queda de helicóptero, em 1992, em Angra dos Reis; e Eduardo Campos, candidato à presidência da República, que perdeu a vida em uma acidente no litoral paulista em 2014.

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Enfim, só nos resta lamentar a tragédia ocorrida com Teori Zavascki e aguardar as investigações sobre o acidente. De uma coisa já sabemos: os adeptos das teorias conspiratórias, provavelmente, contestarão a versão oficial…

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.

teori

Embarcações particulares tentam ajudar no resgate da aeronave que levava o ministro.

Foto: Extra (reprodução).

 

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