A Versalhes brasileira: como Petrópolis se tornou uma das primeiras cidades planejadas do país

Por Paulo Rezzutti.

Em uma de suas muitas viagens pelo país em 1822, ao passar pela Serra dos Órgãos, na região serrana fluminense, D. Pedro I hospedou-se na fazenda do Padre Correia. Encantou-se com a vegetação e o clima ameno e tornou-se visitante assíduo, atrás de um refresco do alto verão carioca e à procura de “melhores ares” para a filha, Paula Mariana, sempre adoentada. Se, como diz o ditado popular, visita é como peixe, depois de três dias começa a cheirar mal, é de imaginar o transtorno que as estadas do imperador causavam aos donos do lugar. Após a morte do padre, sua irmã e herdeira, dona Arcângela, continuou tendo de receber, além de dom Pedro e de seus filhos, a amante Marquesa de Santos, outros membros da corte e um séquito de serviçais – cozinheiros, camareiras, aias e cavalariços. Farta, a anfitriã chegou a desabafar com a filha após uma das visitas imperiais, em que até o cavalo do falecido padre levaram embora: “E, quando se despediram, foi até outra vez que esperam tornar; essa gente pensa que há obrigação de os receber.”

A folga do imperador teria um basta. Segundo Lourenço Luiz Lacombe, em seu livro Biografia de um Palácio, “todo esse transtorno das estadas do imperador foi notado pela nova imperatriz dona Amélia, que sugeriu ao marido a compra da propriedade”. A proprietária declinou a oferta e teria sugerido a compra de outro imóvel à venda na região, a Fazenda do Córrego Seco. Depois de anos aguentando as visitas de D. Pedro e sua corte, parece que dona Arcângela teve o seu momento de vingança: a fazenda, relativamente próxima da dela, não possuía as mesmas qualidades. As terras foram descritas em um inventário como “frias e inferiores, não frutificam nem servem para a cultura”. D. Pedro comprou a fazenda e contratou um engenheiro para erguer no local o Palácio Imperial da Concórdia. Mas nada saiu do papel: pouco mais de um ano após a aquisição, o imperador abdicou e partiu para a Europa. Em 1834, dom Pedro I morreu em Portugal cheio de dívidas. A Fazenda do Córrego Seco, hipotecada aos credores, acabou sendo resgatada pelo Estado brasileiro para D. Pedro II.

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O destino da futura cidade de Petrópolis foi selado pelo Decreto Imperial nº 155, de 16 de março de 1843. Nele, D. Pedro II autorizou o plano do mordomo-mor da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, de arrendar a fazenda ao major e engenheiro militar alemão Júlio Frederico Koeler. No decreto, dom Pedro reservou para si um terreno para a construção de um palácio e doou outros para a construção de uma igreja, sob a invocação de São Pedro de Alcântara, e de um cemitério. O restante foi dividido em lotes a ser aforados para particulares. O lugar estava longe de ser uma Versalhes, a cidade artificial construída pelo rei francês Luís XIV. Mas funcionaria como um refúgio para o soberano brasileiro ficar longe das agruras da corte no Rio de Janeiro.

Para a historiadora Alessandra Fraguas, do Instituto Histórico de Petrópolis, a criação da cidade é fruto de três elementos: um plano do governo da província do Rio de Janeiro, que “buscava o emprego de mão de obra estrangeira e livre nas obras públicas, além da formação de colônias agrícolas”; um plano estabelecido pelo mordomo da Casa Imperial, que pretendia construir um palácio “fora da Corte, onde a família imperial pudesse passar temporadas, especialmente durante o verão”; e um plano pessoal do major Koeler “visando ao arrendamento das terras da Fazenda do Córrego Seco e a contratação de colonos livres para a sua ocupação e desenvolvimento econômico”.

Petrópolis deve o seu nome ao mordomo Paulo Barbosa, que deixou um testemunho a respeito: “Lembrei-me de Petersburgo, cidade de Pedro, recorri ao grego e, sendo o imperador D. Pedro, julguei que lhe cabia bem esse nome”. O major Koeler, com o seu projeto da nova cidade planejada, rompeu com a herança colonial. Evany Noel, diretora de Turismo da Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, afirma que o plano urbanístico de Koeler “foi concebido com uma visão de vanguarda no século 19”. Entre outros detalhes, o traçado contou com “um minucioso levantamento topográfico, previu a construção de casas de frente para os rios, para evitar a degradação das margens e águas, distanciamento da construção das casas em relação às vias públicas, ajardinamento das testadas e proteção, com gradis de madeira ou ferro, normas de parcelamento da terra, sistema de abastecimento de água, reflorestamento e preocupação com o meio ambiente”.

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O plano de Koeler não deu as diretrizes urbanísticas só para o entorno do palácio a ser construído, mas também aos quarteirões adjacentes, que receberam nomes de regiões da Alemanha de onde vieram as famílias dos imigrantes, como Bingen, Palatinado, Renânia e Westfália. Com a chegada de novos imigrantes, dom Pedro II adquiriu novas terras ao redor. À Fazenda do Córrego Seco juntaram-se as fazendas Quitandinha, Itamarati e Morro Queimado, que passaram a compor em 1854 a Imperial Fazenda de Petrópolis.

Em 1859, além de outros europeus, como portugueses e suíços, era esmagadora a presença dos alemães, que somavam 3.300 colonos. Abrigados em barracões até receberem os lotes onde construiriam suas casas, os alemães trabalhariam na urbanização de Petrópolis e na construção do Palácio Imperial. Segundo Alessandra Fraguas, os colonos germânicos “adaptaram-se mais às atividades manufatureiras do que à agricultura. Possuíam seus grêmios recreativos, sociedades musicais, clubes, enfim, redes de sociabilidade que mantiveram suas tradições”. Essa forte presença da cultura alemã na região trouxe atritos na década de 1940, como diz Alessandra: “Devido à Segunda Guerra houve grande represálias à comunidade alemã em Petrópolis. Nomes de logradouros foram trocados, houve apedrejamentos e a colônia foi hostilizada. Por outro lado, é fato que havia um número considerável de simpatizantes do nazismo na cidade”.

Além do Rio de Janeiro, Petrópolis é uma das únicas cidades brasileiras com a memória do cotidiano da corte. Não era apenas em busca de um clima mais ameno e uma atmosfera mais saudável que Pedro II subia a serra. Na capital, sede do poder real, ele era o monarca; em Petrópolis, no palácio construído com o seu próprio dinheiro, era o cidadão Pedro de Alcântara. Alessandra Fraguas recorda ter localizado nos escritos do imperador trechos em que ele deixa clara a sua predileção pela cidade que lhe permitia “ser um pouco mais ele mesmo”, onde encontrava a paz para “dedicar-se às atividades que verdadeiramente lhe causavam prazer, como os estudos e as leituras”.

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Mas, aonde o imperador ia, a corte ia atrás, e logo Petrópolis passou a ser ponto de encontro da elite política, financeira e cultural. A queda do Império não trouxe grandes transtornos à cidade além da falta de seu cidadão mais ilustre. Entre 1894 e 1903, chegou a ser nomeada capital do Estado do Rio de Janeiro. Com a presença da sede do poder nacional próxima, na cidade do Rio de Janeiro, a tradição das temporadas na cidade continuou durante muitas décadas. A partir de 1903, quando foi adquirido pelo governo brasileiro, o Palácio Rio Negro passou a ser a residência de verão dos presidentes, e ao menos dois deles chegaram a ter casas de veraneio em Petrópolis: Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

A convivência contínua da cidade com a diplomacia, a política e a elite financeira e econômica brasileira perdurou até a mudança da capital para Brasília, nos anos 1960. Porém, como um eco do passado, ainda hoje recebe esporadicamente os presidentes brasileiros. Em 27 de março de 1981, o Decreto nº 85 849, assinado pelo então presidente João Figueiredo, concedeu a Petrópolis o título de “Cidade Imperial”.

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Família Imperial; Museu Imperial de Petrópolis. 

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