A solidão feminina

Mulheres e solidão tem andado de mãos juntas. As razões são múltiplas. Elas são, segundo os censos demográficos, maioria nas grandes cidades. A entrada de um enorme contingente da população feminina no mercado de trabalho afastou-as do ideal de nossas avós: ou seja, casar, viver ao lado do “maridinho” e ter muitos filhos. Muitas ficaram viúvas, divorciaram-se, são mulheres sós. Outras, mesmo ao lado de alguém, sentem-se solitárias. Esmagadas pela teoria do happy end exportada com a cultura americana, buscam insistentemente um final feliz para si próprias.

Passar o tempo, enganar a tristeza ou o tédio são subterfúgios corriqueiros para evitar a todo preço a experiência banal e violenta que tantas temem. A solidão, contudo, sempre foi um grande tema literário. Está nos romances, nas novelas, na letra da música popular. “Ah… Mas eu preciso aprender a ser só”, choraminga a Bossa Nova. Incrível é que as mulheres raramente se dão conta de que a solidão é sinônimo de liberdade. A tal liberdade a que tanto aspiramos, mas que nos torna responsáveis diante do tempo de que dispomos para estar só. Mas o que fazer dessa perigosa liberdade para que a tristeza aí também não se instale?

Se consideramos a solidão como o maior dos males, expressão de um vazio interior que é preciso preencher, é possível, como sugerem os filósofos, fazer de um inimigo um aliado, refletir sobre um sentimento familiar, mas sem glória, acordar-lhe um lugar menos negativo… tratando da solidão sem destilá-la. Não se fala aqui da solidão na qual não se sabe o que fazer de si própria, na qual se erra, sem destino; mas de um desses momentos saboreados, que podem ser exultantes mesmo sendo dolorosos, no qual, depois de ter-se concentrado por um longo tempo, o espírito se abandona e vagabundeia, pulando de ideia em ideia, percorrendo preguiçosamente várias opções sem saber qual a melhor para escolher.

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Ganhar ou perder tempo, nessas horas, dá no mesmo. O importante é lembrar que a solidão pode ser extremamente fecunda. Einstein gostava de isolar-se em um veleiro; Heisenberg, caminhava sozinho pelas montanhas. Sem querer cair no exagero, quero dizer que a solidão pode ser extremamente criativa. Para aquelas que evitam tomar a medida de sua própria fragilidade, o vazio num momento de solidão pode aparecer como algo detestável. Pode mesmo ser confundido com doença, com depressão e ser mascarado por remédios.

Inversamente, para quem costuma desconfiar das próprias certezas, das verdades estabelecidas e mesmo das próprias dúvidas, o monstro torna-se familiar, costumeiro e como que aprisionado. E aí podemos dizer sem medo: “Bom dia, solidão”!

– Mary del Priore (“Histórias do Cotidiano”).

leitora

“A Leitora”, de Jean-Honoré Fragonard.

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