Figura trágica da monarquia brasileira, Pedro Augusto de Saxe-Coburgo e Bragança foi preparado para suceder ao avô, dom Pedro II. Bonito e culto, mas frágil emocionalmente, esse filho da princesa Leopoldina, que deveria tornar-se dom Pedro III, acompanhou de perto a morte do imperador do Brasil no exílio, em Paris. Seu testemunho pode ser lido nesta carta à tia, a duquesa Alexandrina de Saxe-Coburgo e Gotha.
Paris, 29 de dezembro de 1891
Minha querida tia,
Devo pedir-lhe mil desculpas por meu atraso. Acredite, foi devido ao estado de tristeza e ao repouso no qual me encontro desde a catástrofe do dia 5 deste mês.
Faço questão também de agradecer-lhe de todo o coração essas novas demonstrações de afeto quase maternais.
Minha carta parecerá talvez insuficiente para exprimir todos os meus sentimentos. Por favor aceite-a como ela é, na minha sinceridade sem palavras.
Saí de Viena no dia 30 de novembro após ter recebido uma correspondência anunciando que o imperador se debilitava à vista d’olhos.
Quando cheguei em Paris, no dia 1º à noite, o imperador deitado me pareceu relativamente bem. No dia seguinte, seu aniversário, ele passou muito bem e sua majestade conversava ainda relativamente animado. A doença começou a se agravar pela noite do dia 4 (febre de 39º, falta de ar).
No dia 4, por volta do meio-dia, a febre subiu de repente para 41º e a pneumonia atingiu também o outro pulmão. Desde então, os médicos perderam toda a esperança. Às 4 horas, o imperador perdeu a consciência e após uma longa luta, deu o último suspiro à meia-noite e meia (de 4 para 5 de dezembro) tendo recebido todos os sacramentos da igreja, e cercado pelo tio G.,[1] tia Isabel, por mim e outras pessoas da sua casa.
Gusty[2] estava bastante doente em Viena e não pôde vir. Ele está melhor, mas ainda não está saindo, pois foi acometido de uma forte angina. Imediatamente após o falecimento de sua majestade, todas as formalidades foram cumpridas pelos oficiais de sua casa e recobriram o corpo com a bandeira imperial. O que foi muito bom.
Vinte e quatro horas depois, foi feito o embalsamamento e o imperador foi colocado na capela ardente vestido de general-chefe, com todas as suas condecorações brasileiras. Grande afluência de pessoas para vê-lo e inscrever-se nos registros.
No dia 8 à noite, o corpo foi transportado para a Madeleine e, no dia 9 às 11 horas, foi celebrada a cerimônia solene à qual o senhor d’Ébart assistiu imediatamente ao lado do corpo diplomático. Aproveito o parêntese para agradecer de novo ao tio por essa atenção e acrescentarei que agora, mais do que nunca, espero também seu apoio quando a ocasião se apresentar. O funeral, se foi bem-sucedido, deve-se ao barão de Estrela, que se superou.
Será que minha tia não poderia obter do tio que ele passe de comandante de 1ª classe da Ernestine para comandante da Grã-Cruz?
Meu pedido seria inconveniente?
Após a cerimônia, o corpo foi conduzido para a Estação de Orleans com todas as honras reais por ordem do governo francês e, às 8 horas, um trem especial partiu para Irun. Durante todo o nosso trajeto na Espanha, todas as honras reais foram prestadas e na estação de Madri todas as autoridades se achavam reunidas.
Em Lisboa, também, tudo se passou muito bem.
Na volta, paramos em Madri, onde a rainha Regente foi muito amável.
O mais triste é pensar que o imperador morreu no exílio e meu coração está cheio de tristeza. Em seus últimos momentos, pude compreender ainda melhor do que antes a grandeza de sua alma. Depois dele, não virá ninguém que a ele possa ser comparado. Apesar do seu desaparecimento, parece-me que ele ainda permanece perto de mim no meu pensamento e isso me consola, me fortifica e me dá esperança para o futuro.
Diga, por favor, mil coisas e amizade ao tio e creia-me
Seu muito respeitoso e devotado sobrinho
Pedro
P.S.: Meus melhores votos para o dia de ano.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, v. 238, jan.-mar., 1958, pp. 447-449.
[1] N.S.: Gastão de Orleans (1842-1922), Conde d’Eu, marido da princesa Isabel, filha de dom Pedro II.
[2] N.S.: Apelido que a princesa Leopoldina, filha de dom Pedro II e mãe de Pedro Augusto, deu a seu marido, Luís Augusto de Saxe-Coburgo e Gotha (1845-1907).
Fonte: Correio IMS
SAIBA MAIS:
Imagens: o corpo de D.Pedro II; acima: o imperador, D. Tereza Christina e Pedro Augusto.
Museu Imperial/IMS
Gosto muito de estudar História do Brasil, desde 1987. Aprendi bastante desde 1987 nos livros e depois com a internet. Principalmente os governos dos Imperadores D. Pedro l e ll e a República e também o Brasil-Colônia.
Bom dia.
Desnecessário falar o quanto gosto dos livros de Mary.
Fiquei com uma dúvida no ar:
Leio no Jornal do Comércio do RJ, de 04 de janeiro de 1890, o anuncio do leilão de todos os bens da casa do príncipe Pedro Augusto, que foi marcado para o dia 07 de janeiro daquele mesmo ano. O fato, menos de 2 meses após o golpe militar, marcava a completa resignação com o banimento ou o medo de que os móveis fossem tomados pelo governo provisório ? O paço Leopoldina foi vendido também ou incorporado aos bens do governo, como o paço Isabel ? Parece que existe uma escola técnica do governo federal no terreno.
Grande homen, acho que o Brasil estaria muito melhor se a familia Real
Interessante que no texto, ao falar da morte do avô, ele pede que a tia interceda para uma “promoção” do barão de Estrela. Isso ajuda a explicar bastante os dias atuais.
Escrevi morte do pai, mas era avô. Pena que não dá para editar.
Ok, Adriano. Corrigi para você.
Boa noite, muito me alegra sempre que vejo textos relacionados à monarquia;e em particular sobre o tema D.Pedro II .Acho ,em minha humilde opinião que deveria ser um tema frequente nas salas de aula de ensino médio BRASIL á fora assim como Rui Barbosa entre outros..parabéns pelo texto.
O texto introdutório é do Correio IMS (Instituto Moreira Salles), que contém documentos muito interessantes. Vale conferir: Correio IMS
http://www.correioims.com.br/
No livro: A história do Brasil nas ruas de Paris, o autor Maurício Torres Assumpção relata o féretro de D. Pedro II. Foi escoltado por 80 mil soldados!
Essa informação está na página 101 do referido livro.
Uma excelente obra!
Bom dia! Antes de tudo, quero deixar aqui minha opinião sobre essa escritora maravilhosa que é a Mary. Adoro de paixão os livros dela e ,sobretudo , a maneira como escreve! Dá uma aula de história em seus livros,na versão real e prende o leitos pela maneira como escreve! Tenho quase todos os livros dela ,inclusive esse: ” O Príncipe maldito” ! Sou sua grande fã !! Um grande abraço pra ela e para o site da publicação!!!
Obrigada, Silvana!