A Imperatriz e as dores da alma

“Estou desde há algum tempo numa melancolia realmente negra”. E na confissão a uma amiga: “Eis que não se passa um só momento sem que eu não lamente vivamente ter-me privado de vossa companhia, verdadeiro consolo nas horas de melancolia, à qual infelizmente tenho demasiados motivos para estar sujeita”. As palavras são de nossa primeira imperatriz, Maria Leopoldina da Áustria, a primeira mulher de dom Pedro I. Mãe de sete filhos, dos quais apenas três sobreviveram, foi esposa infeliz, traída pelo marido em tempo integral.

Leopoldina sofria de melancolia – indisposição da alma à qual inúmeros homens e mulheres foram e são confrontados. Seu pai sofria do mesmo mal. Artistas e escritores dela deixaram descrição. Reis, rainhas ou súditos não estavam imunes ao sentimento associado à presença da bile negra no corpo. Acreditava-se que ela se originava de ilusões e paixões tristes.

O remédio? Divertimentos, jogos e ingestão de pós extraídos da pedra bezoar, um raro produto achado no estômago das baleias. Sintomas? Corpo lânguido, sentimento de solidão, tristeza, angústia. Na época em que as queixas de dona Leopoldina se acumulavam, o romantismo fazia sua aparição. Nele, uma linha de pensadores associava a paisagem e a natureza aos estados d´alma. Rousseau ou Edmund Burke, cada qual à sua maneira, faziam referências aos sentimentos que, comparados a marés, avalanches e tempestades, a alma deveria superar. A contemplação de cascatas, florestas e rios era incentivada. Tais formas da natureza eram consideradas exemplos sublimes, capazes de criar um sentimento melancólico muito poderoso. Por exemplo, a beleza triste de uma noite de luar, anunciando o repouso e a morte, deveria ser também momento de meditação e isolamento. Quem diria que tais momentos de melancolia doce ou furiosa – existiam os dois tipos – não atacavam a imperatriz quando ela se via, ao entardecer, ouvindo piar a coruja, nos solitários arredores do palácio de São Cristovão?

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Segundo os médicos, a jovem imperatriz revelava um temperamento flutuante, doloroso, sonhador e nostálgico. O rosto trazia as marcas do cansaço do mundo, do tédio da vida. Na família, ninguém viu que Leopoldina se entregava. Dez anos depois de casada, aos 29 anos, não queria mais viver. A cada esperança renovada, encontrava uma decepção.

A dona de olhos azuis, obesa e cor de creme, que chegou ao Brasil em 1817, fechou os olhos em 1826. Mas, antes de morrer, em carta à irmã, acusou: “Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, por amor de um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado da maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro”. Pela última vez, confessou sua solidão e abandono. Aos quais foi relegada pelo marido, mas também pela própria família. O lamento de Leopoldina registrou, pela última vez, sua luta – luta por um amor unilateral, em que tudo virou armadilha.

Nas últimas correspondências, dizia-se arrependida de ter se casado. Passadas as “semanas de manteiga”, sobravam “desgostos, aborrecimentos e o sacrifício da própria individualidade”. Depois de tanto cansaço, pôde, enfim, dormir um sono de criança. A história é triste, mas atual, pois a melancolia é o nome que se dá hoje à depressão. E casos como os da imperatriz ainda são comuns. – Mary del Priore

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Leopoldina: um amor infeliz.

2 Comentários

  1. claudia

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