A democracia familiar

A autoridade de mães e pais tornou-se algo semelhante ao que um sociólogo chamou de “democracia familiar” – o poder compartido tomou o lugar da antiga potência materna. Trata-se de uma revolução de atitudes tão importante quanto a da internet nos anos 1990. As principais forças de transformação são os próprios adolescentes, que difundem modelos de comportamento para o resto do corpo social – um modelo liberal, bem entendido. A fórmula se traduz por um tripé: a abertura total aos filhos, a afirmação da imagem da mãe companheira e o recuo do formalismo nas relações. Essa evolução se fez com a cumplicidade dos movimentos de liberação das mulheres e a vulgarização das teorias psicanalíticas do tipo “não proibir nada às crianças que seja fonte de traumatismo afetivo”.

Relação aberta, pacífica, “igualitária” como essa entre mães e filhos é feita de muita flexibilidade e pouca rigidez. A flexibilidade se revela principalmente no domínio das liberdades e da fala. Poucas mães consideram a polidez como qualidade a ser transmitida aos filhos, e outras acham que “pouco importam as palavras, contanto que venham do coração”… A grosseria, apesar de condenável, não serve mais para medir o respeito filial. Inquietude de mães com relação aos resultados escolares? Ah… Há preocupação pior: o medo de assaltos, sequestros, violência nas ruas da cidade. O maior de todos? O medo das drogas.

Apesar dos esforços de modernidade, a nova relação entre mães e filhos parece difícil para elas e desestruturante para eles; a insatisfação percorre muitas famílias. O diálogo é considerado insuficiente de parte a parte. A comunicação esbarra em zonas proibidas – há assuntos sobre os quais ainda se fala muito pouco: sexo, política. Por pudor, da parte deles. Por incerteza, da parte delas, que acabam sempre por se culpar por não ir ao “fundo das coisas”, por não abordar as questões importantes. Elas se queixam de só conhecer parcialmente a vida dos filhos. E eles reclamam que as trocas com a mãe mais se parecem um diálogo de surdos. A abertura entre mães e filhos parece mais limitada do que se costuma pensar. A igualdade? É obviamente parcial, entre as que detêm o poder econômico e jurídico e os que dependem, em termos materiais, delas. Por último, é bom não esquecer que a ausência de grandes conflitos não dissimula a existência de tensões e desacordos.

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Mas, contra tudo ou todos, quase todas as mães são amadas! Em contextos sociais complexos ou difíceis, um colo de mãe – real ou figurado – ainda é um universo de relativa estabilidade, uma proteção contra a brutalidade do mundo exterior. As mães também não escondem: para muitas, o amor dos filhos condiciona a própria felicidade. Se eles são, por vezes, fonte de inquietude, são ainda, sobretudo, razão de todo orgulho. E, para os filhos, é importante uma boa imagem de mãe: calma, confiante, afetuosa. Em tais condições, como se espantar se os filhos não querem mais sair e casa? – Mary del Priore.

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“Família”, de Tarsila do Amaral. 

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