A celebração do Corpus Christi

A festa de Corpus Christi ou Corpo de Cristo é uma das mais antigas do catolicismo em todo o mundo. Foi instituída pelo papa Urbano 4°, em 1264, para ser celebrada na quinta-feira após o domingo da Santíssima Trindade, que ocorre, por sua vez, no domingo seguinte ao de Pentecostes. A presença real do corpo de Jesus no pão eucarístico e de seu sangue no vinho, após a consagração da missa, é um dos sete sacramentos da fé católica, e a festividade de veio reforçar tal crença. A celebração adquire maior força com a Contrarreforma, uma reação às ideias da Reforma Protestante, que passou a interpretar a missa como uma simples ceia comemorativa (o pão e o vinho apenas simbolizavam o corpo e o sangue de Cristo).

Câmara Cascudo destaca a importância da celebração em Portugal e no Brasil. “A mais pomposa, concorrida e rica das procissões católicas em Portugal e que manteve a tradição no Brasil. O maior número de devotos acompanhava o pálio sob o qual ia a Santa Hóstia, Corpo de Deus, numa custódia de ouro, erguida nas mãos da primeira autoridade sacerdotal. Não havia desculpas para uma ausência nem se queria faltar. Valia como demonstração de fé, exibição de prestígio sagrado, popularidade obstinada através dos séculos”.

Instituída pelo papa Urbano IV, no século XIII, há diferentes versões que explicam a sua origem. Uma delas é um milagre ocorrido na Itália, no qual a hóstia teria sangrado sem, contudo, manchar as mãos do sacerdote que celebrava o ofício, de forma a indicar sua pureza. Outra história diz que, em 1243, na Bélgica, uma freira teria tido de visões de Cristo, na qual ele lhe pede que sejam celebradas festas em homenagem à Eucaristia.

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De acordo com Ricardo Luís de Souza, em “Festas, Procissões, Romarias e Milagres”, Corpus Christi a primeira procissão a desfilar no período colonial, em Salvador, no século XVI, por decisão dos jesuítas, e permaneceu financiada pelas Câmaras, mesmo depois da Independência. “E devido à sua importância, a participação dos moradores era compulsória em mais de um aspecto. Eles deveriam, por exemplo, por ordem do Senado da Câmara baixada em 1810 ‘caiar as frentes de suas Casas, armar de cortinados os seus portais, limpar as ruas ante as suas portas, deitar-lhe areia e folhas, e o que assim não o executar ficará incurso na pena de seis mil-réis, e trinta dias de cadeia”.

Segundo o mesmo autor, em São Paulo, no período colonial, padeiros e quitandeiras tinham como função organizar o jogo da péla, a ser apresentado no desfile das corporações de ofício durante a procissão de Corpus Christi. “Ora, em 1744, eles recusaram-se a apresentar a dança tradicional em protesto contra as regulamentações determinadas pelas autoridades municipais. E ainda, no mesmo sentido de crítica e contestação, o movimento abolicionista organizou uma procissão em São Paulo, sob a liderança de Antônio Bento, quando foi descoberta a tortura à qual um escravo havia sido submetido em uma fazenda paulista”, conta.

Mary del Priore destaca que “para diversos grupos que no Brasil se instalaram, a festa constituía uma forma de resistência e de reação contra as autoridades, quaisquer que fossem: o padre, o senhor, o governador, etc”. Com as comemorações de Corpus Christi não era diferente. Richard Burton a descreveria assim, em 1867. “É uma combinação de passeio, visita e piquenique_ na realidade é o derivativo, o grande desfile, para a pobre vaidade humana, aqui tão pouco exaltada, em comparação com a Europa”.

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São Jorge, santo guerreiro, ocupava lugar privilegiado na procissão de Corpus Christi. Ele vinha em primeiro plano, segurando uma lança, montado em um cavalo branco, precedido por uma guarda de honra a cavalo, como descreveu Câmara Cascudo. O costume de decorar as ruas com tapetes coloridos veio de Portugal. No período colonial, as festas, religiosas e políticas, seguiam um determinado roteiro: missas, novenas, procissões, fogos, bailes.

Em um ambiente extremamente pobre em atividades sociais e culturais, estas ocasiões tinham grande importância para a população em geral. Os aspectos pagãos e populares marcavam presença. A Igreja tentava, geralmente em vão, normatizar esses eventos em que as pessoas costumavam cometer todos os tipos de excessos: de comida e bebida, danças, sexo. E mais uma vez, a ostentação era um dos elementos centrais do espetáculo.

Nicolau Sevcenko destaca que a procissão ainda era a mais importante festividade religiosa paulistana nos primeiros anos do século XX.  Em 1919, porém, a festa coincidiu com uma partida entre Paulistano e Palestra Itália, o que desfalcou consideravelmente, segundo um jornal da época, as associações masculinas que dela participariam. A tradição ainda persiste até hoje e, em muitas regiões do País, os fiéis decoram as ruas com serragem, areia e outros materiais coloridos.

Texto de Márcia Pinna Raspanti.

Bartolome Esteban Murillo Date: Oil on canvas 219x182 cm

Jesus menino repartindo o pão, de Bartolome Esteban Murillo.

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