A calça comprida e a emancipação feminina

   Por Márcia Pinna Raspanti.

         Por que as mulheres demoraram tanto para adotar as práticas calças compridas em seu guarda-roupa? A peça era vista como um símbolo do poder masculino no passado. No fim do século XIX, as mulheres começaram a aderir à febre dos esportes e dos exercícios físicos. Mas como se exercitar ou andar de bicicleta com saias pesadas e cheias de camadas? As mais ousadas (lembremos que a bicicleta teve um papel da bicicleta na emancipação feminina, leia mais nos links abaixo) começaram a usar um modelo de calça bem bufante, quase uma saia bifurcada, mas que lhes davam maior liberdade de movimentos, a chamada bloomer, cujo nome foi uma homenagem à feminista Amelia Bloomer. Obviamente, a resistência ao uso dessa peça era grande. Mulheres eram xingadas e agredidas nas ruas por estarem em “trajes masculinos”.

       Para se ter uma ideia, em 1800, entrava em vigor em Paris uma lei determinando que as mulheres que usassem calças em público podiam ser presas pela polícia. Era permitido usar calças apenas com autorização prévia da polícia. Em 1930, a lei foi aplicada pela última vez, quando comitê olímpico francês retirou as medalhas da atleta Violette Morris pela insistência dela em usar calças. Em 1892 e 1909 a lei sofreu emendas que permitiram que as mulheres usassem a peça apenas se estivessem de bicicleta ou a cavalo. Curiosamente, a velha lei só foi oficialmente derrubada em 2003.

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     Apesar de encontrarmos algumas referências ao uso de calças pelas mulheres anteriormente, tal peça do vestuário masculino começa a aparecer com mais força na primeira década do século passado. O famoso estilista francês Paul Poiret, o maior nome da moda na época, apresentou em seus desfiles a calça odalisca ou à turca, de inspiração oriental. Eram modelos folgados, de tecidos leves, e com a barra ajustada ao tornozelo. Poiret também aboliu os terríveis espartilhos e inspirou nas linha retas da art déco, bem mais confortáveis que as tendências do século anterior.

     Quem iria, entretanto, dar mais força ao uso da calça comprida feminina seria Coco Chanel. A francesa revolucionou a moda simplificando as modelagens e mudando o conceito de elegância. Em oposição ao estilo eduardiano, e mesmo às criações de Poiret, que eram voltados a mulheres com pouca liberdade de movimentos e conforto limitado (não devia ser fácil usar as saias entravadas ou abajur), a francesa soube entender os novos anseios e necessidades das mulheres ao fim da I Guerra Mundial. Assim como os modelos de saias que deixavam parte das pernas de fora, as calças compridas foram consideradas escandalosas na época.

      Atrizes como Marlene Dietrich, Katherine Hepburn e Greta Garbo ajudaram a popularizar a peça. Dietrich foi uma das primeiras mulheres a aparecer de calças compridas em público, nos anos 20, marcando época ao surgir vestindo um smoking impecável e cartola na estreia do filme Marrocos, em 1930. Dizem que a atriz chegou a ser notificada por um chefe da polícia de Paris por circular as margens do Rio Sena com calças e paletó masculino. O modelo ainda era restrito às mais ousadas…

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      Com a II Guerra Mundial e a necessidade das mulheres assumirem os postos de trabalho deixados pelos homens, a calça comprida finalmente passou a ser usada pelas cidadãs comuns. A praticidade venceu, aos poucos, o preconceito. Não sem muita gritaria dos mais conservadores, é bom destacar. Nos anos 50, os modelos se diversificam, surgindo a calça cigarette, mais ajustada e curta. O jeans caiu no gosto da juventude, deixando de lado o estigma de roupa de trabalho para tornar-se um item de moda, representando a rebeldia dos mais jovens. A mocinhas dos Anos Dourados começaram a circular com jeans, meias soquete e rabo de cavalo. A primeira calça jeans feminina tinha sido lançada em 1934 pela Levi´s.

      Atualmente, não imaginamos nosso guarda-roupa sem calças compridas, em especial jeans…A moda dá muitas voltas, assim como a História.

  • Texto de Márcia Pinna Raspanti.

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Imagem: “A moda da década de 20”, organizado por Charlotte Fiell e Emmanuelle Dirix. Publifolha, 2014.

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